Monday, May 08, 2006

4. MENINOS DE 1.944















Frei Betto - 25.08.1944

4. MENINOS DE 1.944

Esse ano - 1.944 - que recebeu um olhar especial de Deus trazendo o grande Cartunista, o Poeta que marcou uma época, o nosso maior artista- Chico, e um Frei que ainda luta pelos direitos humanos, e por mais que eu - em tão pouco tempo sem uma militância como a dele - já esteja desanimada de tudo, chutando o balde nas lutas pelas igualdades e pelo amor, eu que estou consumida em cinzas de fogo que não forjaram nada, que não serviram para melhorar o mundo nem salvar meu coração, nem trazer meu amor, vejo meu amigo indo sempre com uma inabalável coragem. Percebo isto na vida dele, que segue pelo mundo em seus seminários e palestras.
"Estou indo para a Itália" ele me conta naquele cartão lindo, adornado com uma igreja de Tiradentes, e me incentiva com a idéia do meu livro artesanal, e diz que os anjos da poesia estão vivos e que a poesia chega mesmo em grande número às finais de concursos importantes como o Jabuti. Frei Betto nasceu no dia 25 de agosto de 1.944, sua festa de aniversário de dez anos foi água abaixo por conta do suicídio de Vargas. A minha vida de menina foi soterrada pela frase - Eu nasci um ano após o suicídio de Vargas - por fim, a poesia sanou esta referência histórica e eu nasci na mesma data em que nasceu Leminski - 24 de agosto. Foi nesta coincidência de ter nascido em uma data próxima ao aniversário do meu amigo Frei Betto, e de ter incorporado a poesia e não mais um suicídio ao meu aniversário, que descobri a coincidência de grandes ícones terem nascido no mesmo ano. 1.944 - um ano abençoado.


Fragmento do livro
A Mosca Azul (Ed. Rocco)

... Naquele frescor da adolescência, meu único pecado era o saudável despertar da sexualidade, o jorro de sêmen em homenagem às misses da revista "O Cruzeiro" metidas em maiôs Catalina, as putas da rua Gaicurus fingindo-se de mais novas enquanto eu me disfarçava de mais velho, nesse intercurso silente e cúmplice entre dois seres que se dão em intimidades, um em busca de prazer, outro de dinheiro, antípodas intransponíveis...
...Todos somos discípulos de Sócrates, nós que antepomos os jovens ao velho mundo, à velha ordem, e negamos os deuses de conveniência do mercado.
Nem tudo, entretanto, era sombrio. Naqueles idos da Nouvelle Vague e Marilyn Monroe, de Oscarito e Grande Otelo, havia a festejar as derrotas do Império: os vôos do Sputinik, o êxito da Revolução Cubana, os barbudos sorridentes de Sierra Maestra, o fracasso da invasão da Baia dos Porcos, a surra levada pelos americanos no Vietnã, a revolução musical dos Beatles, o maio de 1.968, o corpo ostentando sua carta de alforria, o velho mundo chegando aos seus estertores. E eu era parte do futuro, artífice de uma história implacável, irreversível, o alvorecer de todas as esperanças. O tempo amadurecera. Imune à mosca azul, Che abandonou seu cargo de ministro, as loas do poder, e anônimo, meteu-se no Congo e, em seguida nas selvas da Bolívia. Pulsava célere o coração da América Latina: um, dois, três Vietnâs!... Em minhas mãos, modelava-se o feto de um novo mundo, o imperialismo agonizava a olhos vistos, e em seu enterro eu lá estaria para jogar o meu punhado de terra.
Quanta ilusão! Aos poucos, a avalanche do arbítrio castrense soterrou o Cone Sul: Brasil, Chile, Uruguai, Argentina, Peru, Bolívia... As descargas elétricas calcinaram sonhos, abriram feridas históricas (ainda incicatrizadas); semeou-se a cizânia por todos os cantos, filhos contra pais, pais contra filhos, famílias rachadas ao meio, e as mães compassivas, porém corajosas, de delegacia em delegacia, quartel em quartel, necrotério e cemitério, em busca de filhos desaparecidos. Até hoje, ao menos no Brasil, a farda insiste em promover o olvido, desmemoriar a nação e impedir que atrocidades cometidas em nome da lei sejam por todos conhecidas. Contudo, o governo, ao iniciar a abertura dos arquivos da repressão, joga luz sobre as trevas...
FREI BETTO

3. MENINOS DE 1.944

3. MENINOS DE 1.944























Chico Buarque (foto - joão wainer)
19.06.1944

Cala a boca, Bárbara
Chico Buarque - Ruy Guerra
/1972/1973
Para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra


Ele sabe dos caminhos
Dessa minha terra
No meu corpo se escondeu
Minhas matas percorreu
Os meus rios
Os meus braços
Ele é o meu guerreiro
Nos colchões de terra
Nas bandeiras, bons lençóis
Nas trincheiras, quantos ais, ai
Cala a boca
Olha o fogo
Cala a boca
Olha a relva
Cala a boca,
Bárbara
Cala a boca,
Bárbara
Ele sabe dos segredos
Que ninguém ensina
Onde guardo o meu prazer
Em que pântanos beber
As vazantes
As correntes
Nos colchões de ferro
Ele é o meu parceiro
Nas campanhas, nos currais
Nas entranhas, quantos ais, ai
Cala a boca
Olha a noite
Cala a boca
Olha o frio
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca Bárbara.


- Sem poesia para Chico. Diante da arte dele tudo cala.
Tarde aprendi que algumas coisas não cabem dentro
das palavras.
Isto lembra Mia Couto:
"Diante do amor
ela arrepiou o coração:
não tenho asas para tanto paraíso"


2. MENINOS DE 1.944

2. MENINOS DE 1.944

















Paulo Leminski
24.08.1.944 - 07.06.1989

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
Paulo Leminski - La vie en close

*
Mais um epitáfio para
Paulo Leminski

Em terra sem poetas
Quem tem um olho é Camões

Edson Falcão
Curitiba (PR)
- O ossário de um ferreiro -
Torre de Papel 2.003

La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...