Tuesday, March 05, 2013

Verão das Musas #7 - Minha Mãe: Patrocínia


Nome peculiar - Patrocínia. Musa do pai que morreu de amor quando ela morreu aos 69 anos, eu tinha 36 anos apenas. Minha melhor amiga desde que existo. Nó na garganta. Para mim tem a mesma luz das mulheres nas quais me espelho. Longa história de vida a nossa. Um livro que vou compor com os pés naquela cozinha rústica meio ao aroma de suas deliciosas comidas e os seus conselhos. Antiga aura de mãe, sempre plena de preocupações. Até aqui alguns versos poucos, não equivale ao imenso amor... Não retrata a pessoa. Quem sabe um dia consiga escrever seus olhos da cor do mel... Meu pai dizia que lembrava os olhos das onças - amarelos. A sua natureza silenciosa. A pessoa que - literalmente - colocou-me em pé quando o vírus da poliomielite me atingiu. A força dela permitiu que eu vivesse assim, quase normal, para realizar meus sonhos e para estar ao lado dela até o fim. 




Fazes falta mãe! Os provérbios às centenas. “Não dê pérolas aos porcos”. Nunca ouvi a sapiência nata e rude cheirando à capim antigo. Seu rosário de infinidades. A gota d’água. A gota d’água. A gota d’agua. A gota que estoura o dique. Cessem a chuva de cólera. Eu só quero deitar-me aos pés do arco-íris. Beijar seus dedos róseos. O resto? O resto não importa. Nem as pérolas; Nem os porcos.
in O sal das rosas (2007)




Sol no cio

A mulher coloca a laranja-da-terra no orvalho
Corta o mamão verde em talhos,
esquenta o tacho em ternura e açúcar
Mexe até que torne sol transparente no cio
ou verde-éden passeando no céu da boca...
Também ela translúcida e doce

Minha transparência retira véus e inaugura farpas
Não sei tornar frutas verdes em delícias vítreas
Não deito no fogo o espírito indócil.
Não aprendi com ela a por as dores de molho no orvalho
a calar as palavras que derrubo no mais amado
como um branco leite de fogo sem juízo

E isto é tudo o que sonho:
Ser bela morena ao redor do tacho
mudando o duro amargo das frutas e das horas
em verde-éden passeando no céu da memória
e sol no cio desnudando labaredas de açúcar


***




Se eu pudesse ter o presente impossível pediria os olhos mel de minha mãe. Eles me viam inteira - um cata-vento topázio eclipsando o cinza. Sem o mel que me cobria em alguns dias sou cinza; em outros - cata-vento
e entre eclipses sazonais: topázio.

in A última chuva (2007)

Verão das Musas #6 - Sabina Spielrein



Ela passou de paciente a psicanalista. Criou a primeira escola de psicanálise para crianças na Rússia - A creche branca. A creche foi fechada pelo governo de Stálin. Sabina foi executada pelos nazistas - juntamente com as filhas - diante da sinagoga em Rostov, cidade onde nasceu. Sabina Spielrein foi paciente e amante de Jung. Foi com ela que Carl Jung testou pela primeira vez os métodos de Freud. Sabina conquistou Jung, foi sua amante, levou a memória dele até o fim, não tenha acesso a mais detalhes da vida desta mulher, que muito me instiga.
Deixou estas palavras como uma espécie de pedido final...

'Meu nome era Sabina Spielrein. Quando eu morrer, quero que o Dr. Jung receba minha cabeça. Só ele pode abri-la e dissecá-la, Quero que meu corpo seja cremado e minhas cinzas, espalhadas sob um carvalho, com os dizeres: ‘Eu também era um ser humano’.

Não assisti ao mais novo filme sobre o relacionamento dela com Jung e Freud. Não quero ver, pois gravei como uma espécie de espelho cristalino a interpretação de Emilia Fox no filme - Prendimi l'anima - Jornada da Alma.


Sabina era muito jovem quando chegou ao Hospital onde conheceu Jung. Recordo minha vida aos dezenove anos, que experiência carrega uma mulher de dezenove anos? Exigem demais das mulheres na História do Mundo. Em todos os enredos as mulheres seguem simplesmente - Eva. Parece que nenhum homem cederia à tentações não fosse por Eva, no caso - Sabina. Para um encontro é preciso o sim de duas pessoas. Percebo em muitos filmes, enredos, livros, a evocação de Eva. Sim, é ela que está lá oferecendo a maçã... Não é bem assim. E homens viscosos, peixes pequenos que não assumem a sua parcela na evolução de uma história existem em todo lugar. É certo que alguns encontros estão programados no DNA da evolução humana. Raros encontros. Encontros que vão propiciar que uma menina se transforme em alguém que vai dar - no futuro - um amparo a muitos, como Sabina fez, talvez não fizesse caso não encontrasse Jung. E as pessoas assinaladas tem aquilo que pensei outro dia ao dar de cara com aquela cena do reencontro de Marina e Ulay - grandeza interior. Esta menina que chega aos frangalhos em um lugar, sem comer, passando um atestado de fatalidade, acaba por reorganizar-se inteira, como pessoa humana, como mulher. Leva até o fim a sua vontade de colaborar com o bem estar humano, dedica-se às crianças, como quem deseja impedir que os pequeninos não alcancem a idade que ela alcançou em uma casa de doentes mentais, que logo seja sanada a doença da mente. O que Sabina faz utilizando a música. Na Rússia, curada, longe de Jung, ela casa-se, tem duas filhas. Em Jornada da Alma eu senti uma balança com pesos iguais no relacionamento dela com Jung. Ele vivia o tormento de estar apaixonado. Se a menina amou Jung, ele também cedeu ao carisma daquela mulher, ela conquistou um lugar no coração e mente dele. Ainda que fora do normal, ainda que histérica, ainda que frágil. 
Talvez algum dia eu descubra mais detalhes da vida e alma de Sabina. Por enquanto, fico a pensar nela como alguém que foi atirada nos cenários mais cruéis, meio ao total desencanto e sem arsenal algum, saiu vestida de menina deusa, com flores brancas nos braços, um amor no coração, sorrisos de crianças espalhados ao redor. E extrair o melhor da vida, contra toda falta de amparo, não é para qualquer um.

resumo da vida de Sabina:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sabina_Spielrein


La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...