Thursday, August 23, 2012

58 anos a partir de amanhã





Sempre quis andar mais rápido que o vento. A partir de amanhã quando pensar em minha idade eu vou pensar - Nossa! 58 anos, é muito tempo. Não vou fazer 58 amanhã, vou fazer 57. Sempre comecei a contar um ano além. Mania eterna. Faço 57 e começo a dizer - Tenho 58 anos. Sempre fui assim, um passo à frente, uma asa na dianteira. Fico angustiada em elevadores lerdos. Um dia eu entrei em um elevador jurássico da Federal. Quase surtei com a lerdeza. Um aluno jovem me olhou sem entender a minha urgência infinita. Eu disse - Se tudo acompanhasse meu ritmo a gente já estava no final do terceiro milênio. Ele sorriu, um riso sonso. Devia haver um lugar para os que não seguem o ritmo dos calendários, das leis e dos estatutos. Mudava para lá hoje mesmo. Por falar nisto, mudei-me. Muito tempo em apartamento e agora eu estou como pássaro que voltou ao ninho. Posso colocar a cabeça para fora e sentir o sol, caminhar no quintal. Isto não tem preço. É um pequeno lugar. Eu a chamo - A Casa de Marte. Hilda viveu na Casa do Sol. Vivo na Casa de Marte. As paredes lembram a cor da superfície do planeta. Nas tardes, cerro os olhos para ver o entardecer azulado de Marte. Há muito tempo eu construi uma dimensão e vivi lá por um tempo. Foi uma experiência mística na companhia de alguém. O Extracéu. O céu dura pouco. O Extracéu menos ainda. Em alguns dias duvido das experiências que vivi, com pessoas que se eu contar dirão - É mentira. O Extracéu não teve um final feliz, foi um trauma. Deviam dizer aos homens que as mulheres fortes suportam a verdade. Se um dia você pergunta a um cara - Você tem alguém na sua vida? A resposta dele deve ser a verdadeira. Depois, não adianta ficar remoendo raivas antigas em poemas, pois, afinal, tenho certeza que perguntei uma vez, duas. Os homens adoram esconder sua real situação sentimental. Eles acham que estão isentos da divisão da verdade. E isto nunca dá certo. O final feliz inclui a transparência. E não existem muitos homens transparentes por ai. Conheci UM. Isto já vale muito. Tenho certeza que muitas mulheres passaram pela vida sem conhecer ao menos um. Depois ficam sem entender as pessoas que se fecham em conchas e viram cínicas. Acho que o moço transparente de lua salvou a minha crença. Só isto valia aquela trombada cibernética sideral erótica transcendental. Só isto valia, mas, sempre tem o adendo. O adendo foi mais bonito.
Amanhã é meu aniversário.
Nada tenho para postar aqui que seja inédito.
Meu amigo mais querido escreveu - Mande um livro de poesias para o Prêmio Governo de Minas Gerais. É possível. Se cavar bem, encontro 25 poesias inéditas. O Prêmio Paraná exigiu demais. 70 poesias inéditas? Um romance com 130 páginas no mínimo? Meu romance-mor está no Prémio Leya, totalmente queimado por uma palavra que descobri fora do lugar. E invalidei mais duas ou três chances. Isto faz parte. Ano que vem tem mais. Por enquanto vou colhendo poemas em tudo que veio na mudança. Mudança é pura epifania. Reencontro com as belezas esquecidas. Um poema bonito em algum canto, uma fotografia esquecida. Escritos dos amantes do passado saltando à flor dos dias. Memórias reviradas. Uma experiência que não havia vivido depois do primeiro livro. Algumas pessoas levam móveis e roupas e máquinas. Minha mudança floria em papéis e caixas e caixas de livros. Minhas filhas imploram que eu deixe apenas no computador tudo isto. Eu me apego. Acaricio um poema escrito à máquina que encontro em uma agenda antiga. Já fui musa. Sou musa ainda. Os homens que escreveram poesias para mim eram eróticos. São. Os poemas a mim dedicados são ardentes. Eu os calo. Eu os guardo e sinto saudade de outro tempo, outro amante, o antigo.
Amanhã vou fazer 57 anos. Nunca estive tão péssima. Agonia ao perceber os movimentos complexos que preciso fazer e que nunca precisei antes. O olho com a mácula da retina rasgada. O joelho esquerdo estourado. O pé direito. É preciso parar, respirar, aceitar. Existe esta dor, ela vai ficar grudada pra sempre. Existe a limitação. Existe a vivência. A Poesia trouxe a Beleza jamais imaginada para a minha vida. Trouxe também rançosos rancores a ricochetear em um pequeno raio à distância. Espero que em Marte a vida flua mais serena. Que eu aprenda a caminhar nesta alameda larga, onde em todas as manhãs os atletas amadores empreendem sua caminhada. Que eu não perca o espetáculo das estrelas e nem o canto dos pássaros nas manhãs. No primeiro dia que acordei na Casa de Marte um Quero Quero alardeou sua presença. Estou ficando mais velha e mais livre. Desconfio que a Liberdade exige muito tempo, e ela está sentada sem cerimônia nas pedras largas do jardim. Minha visitante mais assidua. Vamos adiante, atadas como siamesas. Sigo buscando vinte e cinco versos e um romance com cento e trinta páginas, ao menos, com o ar rasgando dentro em uma sensação de sol dentro que não sentia há muito tempo....

Gênio da raça.



Convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros.
Há no ser humano, e ainda nos melhores, uma série de ferocidades adormecidas.
O importante é não acordá-las.
Nelson Rodrigues
 
 
 
 
 
O diretor do filme Curitiba Zero Grau - Elói Pires Ferreira -diz em entrevista que ele dialoga com Rio 40 graus. Ontem vi o filme. Uma surpresa e tanto. O cotidiano da minha cidade. A real Curitiba com seus ônibus lotados e a luta pela sobrevivência. O enredo passeia por várias vidas retirando dali a humanidade crua e nua. Felicidade é coisa rara, mas, brilha no enlace da família que mora na favela e vive a catar papel pela cidade. O contraste do momento da refeição na casa do Tião (Lori Santos) onde a mãe entrega a filha pequena seu mínimo pedaço de pão, quando o pão da menina vai ao chão, enquanto na casa do empresário todos brigam à mesa e se levantam e nem ao menos se alimentam meio aos conflitos. O enredo enlaça sutilmente alguns trajetos e mostra as sincronias do Universo para dar a alguém uma retomada do caminho, na trajetória de Ramos (Jackson Antunes) um motorista do ônibus bi-articulado que acaba sendo transferido para a linha do Interbairros. Minha vida de passageira destes ônibus dentro da cidade tornou o filme de uma realidade gritante. O motoboy Márcio (Diego Kozievitch) e o empresário Jaime (Edson Rocha) completam o time de protagonistas. Ao redor destes gira a fina nata curitibana de atores da melhor qualidade e isto faz com que o filme seja impecável. A ex-mulher do motoboy é Uyara Torrent (A banda mais bonita da cidade), Enéas Lour é o funcionário corrupto que tenta subornar o empresário Jaime. Rosana Stavis a mãe de Daiane a personagem de Uyara. Otávio Linhares e Andrew Knoll em pequenas participações. Rodrigo Ferrarini e Veronica Rodrigues excelentes como o casal que chega a cidade sem eira nem beira. Para acompanhar esta roda-viva de encontros e desencontros. Poesia e dor. Buscas e perdas. Só vendo o filme. Melhor ainda para quem vive a cidade. Amo Curitiba, foi para ela meu primeiro canto público, quando a UBE RJ premiou minha crônica "Se essa rua, se essa rua fosse minha". A vida não dá trégua. Mas, é preciso retomar o caminho, seguir na noite como quem tem esperança. Abandonar cenários sem futuro, cuidar das crianças pequenas. Escrever os dias com a fé, ainda que com um endereço desconhecido entre os dedos, como o moço que chega sem norte com a familia à tiracolo. Curitiba Zero Grau veio lembrar o quanto é minha esta cidade. A real cidade que aparece na tela. E sai do cinema com minhas próprias cenas, a minha rotina de mãe e leoa. A parte mais bonita de mim, os filhos que aqui cresceram. O neto que aqui nasceu. O verde espalhado pelas esquinas, o vento que chega nas noites e nos obriga a aquecer o corpo, derramar o espírito sob os edredons e sonhar.


La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...