Monday, October 04, 2010

MESTRA

Ontem encontrei Ana Miranda na Bienal do Livro. Ao acaso. Em 2002 eu estava em um debate e sentei na primeira fila. Só tinha comigo a programação do evento, mas, quis um autógrafo da Ana. Ana que iluminou meus dias com seus livros desde que li - Boca do Inferno - ela trouxe Augusto dos Anjos e Gonçalves Dias em outros relatos - A Última Quimera e Dias e Dias. O impacto da narrativa de Boca do Inferno foi imprescindível. Ali estava a Mestra. É assim que quero compor meus  livros. Trazer toda a gente pra caminhar ao meu lado. Sim, eu caminhei. Eu vi Gregório de Matos e o Padre Antonio Vieira caminhando pela minha sala. Esta é a poesia em prosa. Faz muito tempo, desde então eu busco cada nova obra com ansiedade. Ana é suave, transborda calma. Na noite em que me aproximei pela vez primeira eu disse, li seus livros, quero um autógrafo. Ela perguntou meu nome e escreveu com cuidado - Para Bárbara, de olhar tão pristino e tão doce. Guardo com carinho. Ontem não pude ir ao Café Literário onde, ao lado de Márcio Souza, ela ia falar sobre o tema - Quando a vida vira ficção. Enfrentando o frio violento pela segunda vez, depois de embarcar em uma manhã de gelo para votar, embarco novamente nas brumas frias da quase noite para ir ver o Frei Betto que no Espaço Livre vai falar sobre Fé e Liberdade ao lado do Mario Sanches - professor de Teologia da PUC. Ana foi ouvir o amigo e eu a vi. Ela me sorriu e ficamos ali, um belo lugar para estar. Ouvindo Frei Betto e Mario - que eu não conhecia - percebi que existe sempre um lugar. Um lugar diferente para estar, onde os absurdos não ferem os ouvidos. Belo lugar para encerrar estes meses tristes. Um país perdido nas mãos de uma mídia indecente e despudorada  Então eu estava ali, ouvindo duas pessoas tecendo paralelos entre ciência religião e liberdade e respirando belezas e sonhos para voltar ao caminho. Abracei o Betto e me armei de coragem para dizer oi pra ela. A Mestra. Nossa conversa foi rápida e frutífera. Coisas que ela disse para que eu gravasse com cuidado. Uma alegria. Quero ler Yuxin - Alma, seu mais recente livro.  Por ser índia. Lembrei a visita da moça do Censo que insistiu em me rotular como branca. Eu sou índia. Minha tataravó era índia. Minha mãe era índia. Quero ser índia, tenho orgulho de ser. Vou gravar na pedra bruta do meu coração cansado as palavras trocadas. O cuidado que ela teve em dedicar seu tempo a uma escritora que começa. O cuidado que as pessoas de grande alma (Yuxin) mantém. Eu aprendi a reconhecer um escritor em carne viva. Ele vai ao teu encontro sem medo. Como ela me disse para me colocar inteira no que escrevo. O grande escritor está inteiro em sua obra e não tem medo. Voltei plena de Liberdade e Promessas. Índia sem medo e pronta para os desafios.

Adriano Smaniotto


Vísceras à Vista - do poeta Adriano Smaniotto - é mais uma publicação da Secretaria do Estado da Cultura - Governo do Paraná.
Comemorar este livro do Adriano a poesia que tão bem define o Márcio Claudino na contra-capa:

Seu trânsito é feito (e efeito) desse hibrido transe, dicotômico, entre o acadêmico-críptico X boêmio-místico, o real das ruas X o mítico apolíneo da refinada consciência da literariedade do verso que forma o poema, com o requinte da atmosfera dionisíaca que engendra a poesia. Isto equivale dizer que ele está de bem tanto com o singelo, o pungente (via comoção essencial), quanto com a elaboração analítica (via apurada fruição artística), ainda que prime pela irreverência e picardia, algumas de suas marcas registradas.
Márcio Claudino


LIÇÕES DE AREIA E SAL

1. TERAPIA

eu fui ver o mar
pra lembrar do meu tamanho,
bem menor
bem mundano

ele falou gaivotas,
pedras antigas,
conchas ao meio
e de sua esquiva rota
a mesma e não
a cada dia

eu disse
perdão por ser pequeno
e achar que as coisas são
como eu acho que as coisas são

ele continuo dizendo
ondas vagarosas e perfeitas
siris que se escondiam
e que o vento é sábio
porque ensina com o silêncio
e aprende com desvios

acima
o céu não intervinha
ameno
dizia estrelas em nuvens de algodão

então,
eu vi que não sou melhor que os peixes,
eu que penso ser melhor que os homens

eu senti que não serei um milésimo do poente,
eu que já me acho um grande mestre

eu lembrei o valor dos pescadores
e da humilde gente
eu que sou da cidade de plástico

e vi que a vida é perfeita
porque não escolhe
a praia ou o campo,
esta ou aquela areia

ela apenas segue e se desenvolve
em busca de mais vida

e quando convém ao viver
ela morre


2. NIETZCHE HOJE NÃO


mar me ensine:
se eu disser raiva
diga praia mansa

se eu pensar em guerra
leve-me numa vaga
que me lance
dois mil e nove nós no oceano

para que eu me torne
menos que a água
e mais que a terra

humano, sem demasia, humano.


3. TARDE

dois moleques
com suas conchas colhidas
suas bermudas de areia
na praia que termina o sol

estivesse aqui minha sereia
e eu seria deles, um igual.

ADRIANO SMANIOTTO
Vísceras à Vista
SEEC PR/IMPRENSA OFICIAL DO PARANÁ 2010


Adriano Smaniotto - nasceu em Curitiba PR, 1975. Publicou - Vinte vozes de uma mesma veia (1999), Versejar a voz do ser é ser de si algoz (2000), em 2003 integrou a Antologia - Passagens - organizada por Ademir Demarchi. Formado em Letras pela PUC/PR atutalmente mestrando em Estudos Literários pela UFPR. Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.
Adriano vê na poesia uma forma de reflexão e revolta diante do mundo. Ama algumas pessoas, além e seus pais, e acredita no ser humano, apesar de nunca ter conhecido um.

La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...