a good day to die - giorgio di chirico
Como a sombra que passa
Minha vida toda neste antro lendo íris de cadáveres e
sentindo o cheiro acre de sangue pisado me afastou desta área asséptica e
sonora – O amor.
Lembro o primeiro bater dos cílios de Jane Doe quando entrei
no quarto e ela virou sua cabeça no travesseiro para me olhar. Nada sabia de sua
vida e entre as oscilações de seu olhar confuso eu entrevia a luz belíssima de
seus olhos raros. Sempre nos afastamos das cenas e das vítimas, com Jane Doe eu
fui sugado para o azul e para a luz, hipnotizado como se ela fosse luz de uma
vela votiva em um lugar sagrado.
Meu desejo era encontrar a mulher antes da queda. Para
isto investiguei minuto a minuto. Filtrei dados, cruzei informações. Trilhei as
ruas e visitei todos os lugares daquela área ao lado do viaduto. Assisti ao
vídeo de todas as lojas e rastreei tanta gente. Para clarear o - antes - daquele
anjo soterrado no asfalto.
Minha vida um fogo de desejo de ter êxito como nunca
antes em um caso e no coração o gelo seco raspando em ruído que eu imaginava
que todo mundo ouvia. Meu coração querendo saltar do peito a cada susto. O gelo
valsando em estardalhaço a cada olhar da musa. Jane Doe. Jane Doe. Jane Doe.
18 h no Bar "O Torto" depois do Apocalipse - Bárbara Lia (fragmento)