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quando ele corria
pelos telhados de ardósia
as pombas arrulhavam
em ventania
seu casaco - vela sacudida
estremecia
a maré da monotonia
***
DANS L’AIR
DANS L'AIR
Tínhamos a mesma idade
Quando vimos o mar
Este mistério de impaciência
Tínhamos a mesma impaciência
– Rimbaud e eu –
Por isto
Pisamos telhados
Ao invés do chão
Por isto
Machucamos nossos amores
Com nossas próprias mãos
Por isto
As velas acabam na madrugada
Antes que o poema acabe
- Por isto, tão pouca a vida para tanta voracidade.
***
A vela acesa, o estábulo, o feno
O vento rutilante lá fora
Uma estação no inferno
Um grito dentro
Que ainda espanta
Em todas as catedrais
As pombas brancas
***
MAR ABSINTO
Nossos olhos de dezoito anos
acomodaram o mar
Sobrou a maré em torno
um sussurro de conchas
a nos acordar nas noites brancas
Nossos olhos de dezoito anos
beberem do mar/absinto
como ao vinho santo.
Nossos olhos negros e azulados.
Uma sereia recolhendo a rede
os corações de dois poetas ali - enredados
Nossos olhos de dezoito anos
Nossas almas milenares.
Nossos amores fracos à soleira da incerteza.
Tanta beleza em ti, Rimbaud!
Tanta ausência em mim!
E nas marquises
bêbados ainda caminham
buscando o sol
que você guardou pra mim
PEQUENO TRATADO DA DELICADEZA
p/Rodrigo de Souza Leão
Rimbaud te espera
No barco bêbado encalhado
Em um mar crispado de turmalinas
- lágrimas dos poetas -
Nas mãos, duas taças de absinto
Para brindar a vida fera
Dois homens de branco
Ancorados na beleza
A repartir
O fogo santo
O espanto
O canto
O eterno canto
Dos poetas...
- Por delicadeza
Perdi minha vida -
Por delicadeza
Entregamos a vida
Aos escarros
Por delicadeza
Entregamos a carne
Aos caninos ávidos
Por delicadeza
Atravessamos a bruma
Com lírios brancos
Nos braços
Rimbaud sempre à espera
Para brindar
A eterna primavera
Páginas 29 a 35 do livro - Tem um pássaro cantando dentro de mim