
Luar - acrilico sobre tela - Enice Rosado
CIRANDA COM FERNANDO JOSÉ KARL
O CEGO
- Fernando José Karl
O cego Paul Klee rodava a bengala para a direita e a cidade parava. Para a esquerda, se movia. Para cima, escurecia o sol. Para baixo, chovia.
Quando foi assassinado, naquela tarde, encontraram em seu bolso todos os movimentos da cidade.
( do livro - Caderno de Mistérios - Letra D'água editora)
EPÍSTOLA SEGUNDO SAINT-ANGE
Segundo Saint-Ange, somos garrafas
de água flutuando no oceano.
Saint-Ange - seu cadáver boiando
ao lado da garrafa d'água.
Antes da flecha varar sua nuca,
ainda bebeu no arco da madrugada
a geometria do abandono de uma lua:
imenso nenúfar sobre o bambual.
Imitava Saint-Ange o poeta Li Tai Po,
que, na primavera de 425 a.C.,
morreu ao tentar abraçar a lua sobre o rio Chin.
Ou quis apenas imitar o seu aforismo
de que somos garrafa de água de rio
flutuada na água grande?
(do livro - Brisa em Bizâncio - Travessa dos editores)
LI PO & LUA
Bárbara Lia.
Sonhei com o abraço de Li Po
& lua.
Pálpebras pós-sonho são serestas
de bambus ao vento.
Pressinto o joio e o trigo e convivo
com as ervas todas.
Mas quando são águas
-Cristalizo.
Sei que algo imortal acontece,
nasce em solidão no útero divino.
Lua negra-olhar-que-abraça.
Tenho razões para amar Li Po
Fechar a meia-noite negra com uma cortinade lago.
Li Po braços abertos,
luas todas em estações e séculos
à espera deste abraço.