(Leitura poética de “Trato de Levante”)
Livre. O poeta é livre. Canta Neruda com amor
revolucionário. Depois que tantos esqueceram Neruda e sua verve humana. Mesmo
eu o esqueci em um escaninho triste, há vinte e dois anos e mais algumas
auroras, deitada na solidão de um quarto, a ler o livro – Cartas de amor de
Neruda – a caminhar ao lado do poeta pelas ruas de Santiago em seus vinte anos e seu amor desesperado. Com sua capa negra e o coração estourando o peito. Amava Neruda, sua biografia
e seu canto amorável – geral e eterno. Como alguém que vem para te ajudar a atravessar
a ponte perigosa, ele foi um irmão mais velho que segui por alguns anos e não
mais visitei. Ingrata. Esta ingratidão não permeia a fronte de Jr Bellé. É o
poeta chileno que ele leva para dentro de seu romance “Trato de Levante”, em um
amalgama de poesia, ficção, grito anárquico, canção de amor... É tudo isto e é
mais. É um livro surpreendente, onde não há medo, vergonha, ou pudor em cantar
o que mora no coração de homens e mulheres, em tempos líquidos de perfis fabricados.
Uma utopia rasga páginas e inaugura uma revolução em um lugar de araucárias e
rio inventado - rio Varanda. Cada detalhe reverbera dentro em poesia: rio
varanda. Ganhei o dia. Lorca vaticinou: a
poesia é o impossível feito possível. E este romance escrito em poesia
torna verossímil um engajamento, sem igual, de toda a natureza ao redor, a
passos largos em uma narrativa épica poética a acompanhar os revolucionários. É
de uma beleza impar este adendo de exército da natureza a incorporar o levante:
“blocos de caramujos ressurretos” e o som da liberdade no “estardalhaço das
gralhas” e na “dinastia aérea dos falcões”. Formigas como “agentes infiltradas”.
O revolucionário e seus amores: Alice - o amor de ontem - envolve o corpo do poeta em um trotear de memórias. O livro infiltra enredos novos e reinventa, deixa de ser - a leitura sempre igual – de uma revolução. Traz dos confins de um poema de Ginsberg uma garota para o poeta amar: Valentina. O alter ego de Bellé não coloca amarras, nem no corpo nem na essência. Os personagens despidos de estereótipos são tão verdadeiros que é possível tocá-los. E quem viveu no Paraná se aconchega na paisagem a reconhecer as reentrâncias dos rincões, o rio a correr suave, o vapor da água que vai cair na erva. O mate, a partilha.
O revolucionário e seus amores: Alice - o amor de ontem - envolve o corpo do poeta em um trotear de memórias. O livro infiltra enredos novos e reinventa, deixa de ser - a leitura sempre igual – de uma revolução. Traz dos confins de um poema de Ginsberg uma garota para o poeta amar: Valentina. O alter ego de Bellé não coloca amarras, nem no corpo nem na essência. Os personagens despidos de estereótipos são tão verdadeiros que é possível tocá-los. E quem viveu no Paraná se aconchega na paisagem a reconhecer as reentrâncias dos rincões, o rio a correr suave, o vapor da água que vai cair na erva. O mate, a partilha.
O poeta situou o levante em seu lugar de chegada ao
mundo: sudoeste do Paraná. A revolução que teve êxito, e que inaugurou um lugar
utópico sonhado. Pátria Livre. Sonho de tantos. As mais de trezentas páginas do
livro não pesam neste mergulhar em momentos que dizem tanto a todos nós que
somos os velhos sonhadores: a vida é mesmo feita de amor e revoluções. E uma
coisa é a outra. Não existe amor que não seja revolucionário. Não existe
revolução que não seja puro amor. Esta é apenas uma leitura poética de um livro
inacreditável. Onde sexo = amor. Só isto eleva o livro a um patamar de
maturidade interior que não se encontra em toda parte. Em um mundo onde sexo =
pornografia, onde tiram a humanidade de uma beleza e a transformam em pecado,
resta ler o encontro incendiado de Bellé e Valentina. Basta entrar naquele
quarto. Basta percorrer o poema “o poente orgasmo de Valentina”. O poeta tece a
vida como se fosse o último respiro. Esta urgência de tragar o sol. Esta agonia
de ver o tempo escorrer sem que todos possam conhecer a aurora da Liberdade, e
vivê-la e além, saber o que é preciso para forjá-la, com as mãos. Um poeta que
ama um poeta comunista. Uma simbiose de autor/personagem e um lugar, todo meu
por ser também o chão da minha chegada. Paraná, paranauês. Aqui onde concebi
meus próprios sonhos, e por isto foi mais que terno ler o poema abaixo, bem
antes de percorrer as páginas de “Trato de Levante”:
meus versos
são pinhão sapecado na brasa
de grimpa despencada
do alto da araucária
que a cada estalo
entalha-me
enfim
semente
de poesia
teu sangue, seiva de geada fria
paraná
tua alma de madeira forte e carpintaria impossível
*
*
O
livro apresenta uma poética livre de uma poesia potente, sem máscaras, crua e
nua, como deve ser a poesia. Capaz de chafurdar nossos sentires a cada
instante. Li como quem vê um filme, que belo filme daria. Ainda que até aqui
tenha apenas um curta inspirado no poema – o poente orgasmo de Valentina -
pensei em como esta revolução brilharia nas telas com uma beleza rara, esta que
permeei em um dia, lendo alucinadamente as páginas, sem descanso ou cansaço. Há
um caminho que eleva, ele passa pela poesia, ele passa pelas mãos de um jovem
poeta que tem algo a dizer. Acho que foi Leminski que disse que não existe
escrever bem, mas pensar bem. O pensamento de um jovem anárquico somado a esta
verve poética de qualidade, trouxe à luz dos nossos olhos esta pequena joia
paranaense. No final, o poema de amor rasgado - mais forte e pungente - é a
declaração de amor que ele faz à revolução. Sim é por ela e nela que o poeta
caminha, com a exatidão e a inevitabilidade das velhas geadas, ou do fogo, que
ferve a água para o mate, que ferve os corações para a vida... Esta que alguns
vivem em Liberdade e plenos de Amor.
Bárbara Lia
Poeta e Escritora
o poeta que amo é comunista
não tenho
dúvidas sobre meu coração anarquista
a assim
seguimos de versos dados
apertamos
o caudilho e disparo
meu pássaro
negro vara a tempestade
num desespero
libertário de vida
e de
morte
rima no
poente sangue de nosso povo sulamericano
as tintas
sílabas em teu vermelho de oceano
rebelde que
nunca se rende
não sei
se somos
ou nos
tornamos
tua poesia
tem densidade e cobre
verve vulcânica
aflora na altura dos Andes
pura lava
de copihue
que lavra
a brava
terra mapuche
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http://editorapatua.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=255
link para o site do poeta Jr Bellé:
http://juniorbelle.com/
link para o site do poeta Jr Bellé:
http://juniorbelle.com/
Jr Bellé, ou Bellé Jr
Autor do livro Trato de Levante, Bellé Jr. nasceu em Francisco Beltrão, sudoeste do Paraná. Viveu em Curitiba, graduou-se em Jornalismo na UEPG e há quase seis anos habita São Paulo. Vive de escrever histórias e estórias. Trato de Levante é sua segunda obra poética.
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trailer de trato de levante - curta de Ale Paschoalini baseado no poema - o poente orgasmo de Valentina