Sunday, August 27, 2006

um poema

verde água
lava & enxágua
a m’água
me faz leve – grua -
origami na tua pele nua
até Allah, do outro lado da rua,
dá uma trégua
dentro do verde água
nosso amor flutua
apaga lampiões, acende a lua
verde água
verde água
a cor da doçura tua.

BÁRBARA LIA

Friday, August 25, 2006

frei betto


.
... fui jogado num cárcere, ainda em junho de 1.964. O que passa pela cabeça de um jovem de dezenove anos, leitor de Kafka e Erich Fromm, admirador de Franz Fannon, e que marcha diante do prédio do consulado americano, no Castelo, gritando "Yankes, go home!", e se dessenda no Teatro Opinião, em Copacabana, embebendo-se de arte?
Todas as prisões políticas são igualmente cruéis e ridículas. Sócrates foi prisioneiro político, acusado de corromper os jovens e desacreditar os deuses. Todos os prisioneiros políticos, desde então, receberam a mesma acusação, não há exceção. Mesmo Jesus andava seduzindo um grupo de jovens com quem partilhou sua última refeição e ao qual proferiu a mais radical confissão atéia: negou a divindade de César e o caráter sagrado do Templo, e proclamou que ele, o pobre de Nazaré, filho de carpinteiro, era o Messias.
Todos somos discípulos de Sócrates, nós, que antepomos os jovens ao velho mundo, à velha ordem, e negamos os deuses de conveniência do mercado.
Nem tudo, entretanto, era sombrio. Naqueles idos de nouvelle vague e Marilyn Monroe, de Oscarito e Grande Otelo, havia a festejar as derrotas do Império: Os vôos do Sputinik, o êxito da Revolução Cubana, os barbudos descendo sorridentes Sierrra Maestra, o fracasso da invasão da Baía dos Porcos, a surra levada pelos americanos no Vietnã, a revolução musical dos Beatles, o maio de 1968, o corpo ostentando a sua carta de alforria, o velho mundo chegando a seus estertores. E eu era parte do futuro, artífice de uma história implacável, irreversível, o alvorecer de todas as esperanças. Che abandonou seu cargo de ministro, as loas do poder, e anônimo, meteu-se no Congo e, em seguida nas selvas da Bolívia. Pulsava célere o coração da América Latina: um, dois, três Vietnãs!... Em minhas mãos, modelava-se o feto de um novo mundo, o imperialismo agonizava a olhos visto, e em seu enterro eu estaria lá para jogar o meu punhado de terra...
A MOSCA AZUL - pg. 33, 34 - Ed Rocco - FREI BETTO
. A Mosca Azul é uma reflexão sobre o poder. Hoje é aniversário de Frei Betto, dominicano, ativista dos Direitos Humanos, escritor.

Thursday, August 24, 2006

nosso aniversário

Amor Bastante


quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Paulo Leminski


ALHAMBRA

Grata la voz del agua

a quien abrumaron negras arenas,
grato a la mano cóncava el mármol circular de la columna,
gratos los finos laberintos del agua
entre los limoneros,
grata la música del zéjel,
grato el amor y grata la plegaria
dirigida a un Dios que está solo,
grato el jazmín.

Vano el alfanje
ante las largas lanzas de los muchos,
vano ser el mejor.
Grato sentir
o presentir, rey doliente,
que tus dulzuras son adioses,
que te será negada la llave,
que la cruz del infiel borrará la luna,
que la tarde que miras es la última.
Jorge Luis Borges, Granada, 1976

*
*

Meus presentes são presenças - uma rosa branca do Cairo e uma brisa mediterrânea (duas filhas dormindo no quarto ao lado), este ombro do centauro que me guia, pensar que o vigiei quarenta dias naquela UTI pediátrica, que um quilo de vida se transformaria em meu guardião-amigo-vida e fonte, pensar que me esqueço que hoje ele não vai à escola e o acordo tão cedo, ele nada fala, ele diz sempre com aquela calma de amor...
- feliz aniversário, mãe! deita um pouco aqui, descansa.
Deito em seu ombro direito, ele me beija a testa, assim, como me beijava meu pai. Saudades do beijo paterno, do homem que me nominou Bárbara, e me fêz guerreira, e livre. Saudade de outro ombro, o esquerdo onde pousei ouvindo um outro coração, disritmado, o êxtase no olhar, meu presente adiantado. Dois ombros, uma saudade, a brisa e a rosa, dormindo ao lado.
Bárbara Lia, 24.08.2006

Monday, August 21, 2006

borges




O LABIRINTOEste é o labirinto de Creta. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos naquela manhã e continuamos perdidos no tempo, esse outro labirinto.
JORGE LUIS BORGES
tradução de Miguel Angel Paladino

Friday, August 18, 2006

michel sleiman

Antimônio


Pego-me a colher o eco da onda quebrada já sem espuma
no instante sem tempo entre o escuro e o primeiro raio
pedra bêbada da água marinha
gasta mas ainda sedenta por cantoria
do ir-e-vir do grande ventre do mar, fêmea prenhe
ferida pelos dentes de Netuno.

Ó mar de esbelta figura
acossada pela loucura do sal excessivo...
queriam-te a concha do molusco
a escama do peixe
o couro da baleia
a areia a calçar o leito do monte invertido no fundo
queriam-te...

Manhã.
Foi levado à escola
- forçoso rito da civilização.
Levado no colo da menina guardiã.
Ali, no mar desencontrado das ondas
dos anfíbios sobre rodas...

deixou-se ir por tais ondas
a ouvir a sereia nas cordas dos anjos

o menino Tiago de 30 meses
confundiu o sangue na baba do mar

Ó mar queria-te a lágrima de Iemanjá riseira...
Por que Antígona ali assaltou a cidade

grito engolido pelo freiar no asfalto?
Michel Sleiman

Michel Sleiman leciona Literatura Árabe na USP.


Conheci Michel na UFPR em 2.004 em um curso universitário sobre Cultura Árabe, e o diálogo poético prosseguiu. Ontem quando recebi um e-mail contando sobre a morte de seu sobrinho Tiago, aqui em Curitiba, fiquei triste. Em julho estávamos um tanto preocupados, era o início da invasão do Libano, mas, havia sol na praça Santos Andrade, pude rever meu amigo que estava aqui visitando os familiares. Agora tem uma chuva em Curitiba, penso que é uma benção para a cidade esturricada, também é um rio de lágrimas pelo amigo poeta e por sua família enlutada.

Tuesday, August 15, 2006

no banheiro um espelho trincado




























DE NEUSA SUELI PRA VADO, CARINHOSAMENTE

Baseado na peça Navalha na Carne, de Plínio Marcos


não me importa, Vado, que você ande com outras putas
enquanto cato pulga na cama
como quem tira bolinha do velho suéter
cheirando a veneno pra baratas
enquanto cato
pela manhã após a lida
migalhas de pão dormido
humanamente possível graças
a um gole de café preto requentado

migalhas que junto
minuciosamente
que nem uma carreira pra você
carinhosamente
sobre a mesa nua
rabiscada de desenhos obscenos e palavrões
feitos em dias felizes
com esmalte de unha e faca de espalhar manteiga

dias felizes em que você
de cueca camuflada e botas de vaqueiro
me dava pontapés nas canelas
me pegava pelos cabelos e...

Vado, serei sempre a sua puta
a mais velha delas
um exemplo

Sérgio Mello

(Ciência do Acidente, 2.004)


caim

Monday, August 14, 2006

Elegia tardia












O pai abrindo a cripta pequena
-branca-
apoiada em seus joelhos
no terceiro degrau da escada
escura.
- venham dizer adeus ao irmão!
Pedro nunca entrou na nossa casa;
Pedro nunca saiu do meu coração.

A mãe procurando a tosca cruz.
O coveiro confirmando o despejo.
Pedro virou pedra revirada,
despejados seus ossos,
com mortalha de nuvens e tudo.
A mãe sugada
-olhar de pedra fria-
no redemoinho da certeza
da iniquidade da pobreza.

As estrelinha fraturadas
que me espiam em noites
de êxtase ou de amargura
são ossinhos de Pedro
-o anjo despejado-


Bárbara Lia

Saturday, August 12, 2006

AS ROSAS MORTAS A ME CONTEMPLAR






Quando eu era menina
tinha medo da cortina
que lembrava
o quintal do mal.
Era adornada de pecado,
rosas em gritos mentruais
sangrando folhas descomunais.
Durante o dia, eram bizarras;
na noite me assombravam
formando rostos
na contra-luz da lua azougue.
Eu farfalhava no colchão,
cerrava os olhos,
me encolhia em posição fetal.
Nunca disse à irmã ao lado,
nem à mãe
(que trocaria a cortina, para minha paz).
Eu nasci de frente para os fantasmas.
Contemplo.
Não expulso.
Não acendo a lâmpada.
Enfrento.
No quarto escuro
(agora da alma)
os mil rostos
de rosas mortas
a me contemplar.

BÁRBARA LIA

Monday, August 07, 2006

stuart angel






.
.
.
.
.
Stuart Angel

Quando Stuart Angel entrou para a luta armada eu vivia no paraíso - um quintal com árvores frondosas e balanço, o poço, o casarão negro da avó e poemas atirados dia e noite, lambendo paredes. Do amor, eu sei que ele é profundo, pois meu pai recitava Gonçalves Dias - enfim eu te vejo, enfim eu posso, curvado a teus pés dizer-te, que não cessei de querer-te, pesar do quanto sofri... Havia a ira de Castro Alves, havia um índia bela que assistia a tudo e nos cobria de amor, uma Iracema de ternura, que preferia as novelas do rádio aos recitais de sua sogra e de seu marido - minha mãe. Havia o irmão que me ensinou a ser goleira e a lama em que a gente se atirava, pois era vital salvar o gol, pular enquanto o sol nos cobria de vermelho morrendo, sem eu saber que morriam muitos sóis de esperança, na pele de meninos guerreiros, que acreditaram um dia, com toda fé que existe, que poderiam mudar o mundo... e havia uma varanda onde a cadeira de balanço rangia e acordava as estrelas. Havia uma biblioteca onde eu me escondia e lia, lia, lia, enquanto ia me embriagando com o cheiro de canela, esperando os bolinhos de chuva, a primavera da minha vida.
Meu pai comemorou o assassinato de Marighela - Um comunista a menos! Ele disse. Não havia razão para que eu gravasse tão nitidamente estas palavras quando ele ouvia a notícia, naquele rádio Semp que ficava acima de nossas cabeças, onde minha mãe ouvia a Ave-Maria, deixando sempre ao lado um copo de água, e uma fé que até hoje não entendo. Meu pai dizia que eles eram terroristas. Eu não sabia que os "terroristas" seriam meus irmãos de sonhos, não sabia que um dia o Frei Vermelho, seria meu amigo.
Stuart Angel teve a a morte mais sórdida de todas as mortes sórdidas do tempo da ditadura. Zuzu Angel foi a única que nunca desistiu de punir os assassinos. Nenhum regime de governo deve dar aos governantes o direito de passar por cima dos Direitos Humanos, Zuzu sabia disto. Por muito tempo acreditei em alguma tolice que li em um desses jornais ou revistas tipo Veja... que Stuart não era um militante, que foi preso por que sua mulher Sonia era do Partido Comunista. Via nele um mártir, e não um guerreiro. Por muito tempo eu tive uma imagem distorcida de Tuti, como Zuzu o chamava. Por muito tempo eu não conseguia pensar na crueldade que foi a morte dele sem ter pena da raça humana.
Vi o filme, e fiquei com a canção do Chico uma noite um dia.
Zuzu Angel - dirigido por Sérgio Rezende, com Patrícia Pillar (Zuzu Angel); Daniel Oliveira (Stuart Angel); Leandra Leal (Sônia); Luana Piovani (Elke Maravilha); Paulo Betti (Carlos Lamarca); Nelson Dantas (Antônio Lamarca); Antônio Pitanga; Elke Maravilha. No filme, resgataram alguns atores do filme Lamarca. Eu confesso que não sabia que as torturas que aniquilaram Stuart era para que ele confessasse o paradeiro de Lamarca. E a cena tocante de Zuzu visitando o pai de Lamarca traduz a impotência diante do poder. Nelson Dantas em uma interpretação sublime, os grandes também morrem. Mas, antes nos dão lições, Nelson Dantas era grande.
Descobri uma foto do Stuart, pois Daniel de Oliveira é apenas o ator, excelente, magnífico, no entanto, breve ele estará incorporando meu amigo Frei Betto em Batismo de Sangue. Antes, ele foi Cazuza... e é preciso lembrar os rostos verdadeiros, o jeito calmo de Stuart, e foi assim que ele foi mostrado no filme, uma vida cortada na raiz, como tantas outras vidas.

Friday, August 04, 2006

DIANTE DA JANELA, O ROSEIRAL





Testamento enterrado
à sombra do roseiral:
Deixo meu violão
para a balconista da padaria.
A erva benta
para a velha do sobrado.
A chaleira
que chia Villa-Lobos
para Frei Gustavo,
que costura almas
nas manhãs de quarta.
O livro de poesia
de Augusto dos Anjos,
para o cobrador do expresso 022.


Assinado:

A menina dos olhos tristes.
Chico me chamava de Carolina,
mas era só um disfarce.
Sou eu a menina
que viu o tempo passar na janela,
sem ver.

BÁRBARA LIA

O SAL DAS ROSAS
Lumme Editor

Thursday, August 03, 2006

orgasmos de íris



Teus olhos enlaçavam os meus
em orgasmos de íris.
Inflorescência de estrelas.

Sempre acordo antes do sol.
Agora, que comecei a te amar,
amanheço antes que o dia.

Espanto as Bacantes gélidas,
que seguem o perfume da tua pele-
lírio do recomeço.

Pedras destilam a bílis
e a mágoa vai vazar em áridas notas
de um blues sem juízo.

As sapatilhas – talismã – azuis
seguem- te em paralela senda.
A dez centímetros e um véu.

O mar recua ante teu passo,
estátuas vertem suor ao teu lado,
dentro o sol, não te permite sombra...

... E teus olhos enlaçavam
meus olhos
em orgasmos de íris...

BÁRBARA LIA

.
do livro inédito - NOIR

Wednesday, August 02, 2006

icarabe

Encontrei esta carta, publicada no site ICARABE. Senti uma ternura ao ter este pensamento - que os artistas são sempre os que libertam os pássaros brancos, como se os artistas traduzissem uma vontade acima, um degrau acima, uma esperança que ninguém vê:

CARTA AOS CINEASTAS PALESTINOS E LIBANESES


Na ocasião da abertura da Bienal do Cinema Árabe em Paris (22 de julho de 2006)
Nós, cineastas israelenses, saudamos todos os cineastas árabes reunidos em Paris para participar da BIENAL DO CINEMA ÁRABE. Por intermédio de vocês, queremos enviar uma mensagem de amizade e solidariedade aos nossos colegas Libaneses e Palestinos que estão atualmente acossados e sendo bombardeados pelo exército de nosso país.Nós somos categoricamente contra a brutalidade e a crueldade da política israelense, intensificadas ao máximo nas últimas semanas. Nada pode justificar a continuidade da ocupação militar, do cerco e da repressão na Palestina. Nada pode justicar o bombardeio de populações civis e a destruição das infraestruturas no Líbano e na Faixa de Gaza.Permitam-nos dizer a vocês que os seus filmes, aos quais fazemos tudo para assistir e circular entre nós, são muito importantes para os nossos olhos. Esses filmes nos ajudam a conhecer e a comprender vocês. Graças a esses filmes, os homens, as mulheres e as crianças - que sofrem em Gaza, em Beirute e em todos os lugares em que nosso exército exerce sua violência - , têm, para nós, nomes e rostos. Queremos agradecer-lhes por terem feito esses filmes. E também encorajá-los a continuar a filmar, apesar de todas as dificuldades.No que diz respeito ao nosso trabalho, mantemos o compromisso de expressar - por meio de filmes, de ações pessoais e de voz elevada - , nossa oposição categórica à ocupação militar israelense. E de expressar também nosso desejo de liberdade, justiça e igualdade para os povos da região.
Nurith Aviv / Ilil Alexander / Adi Arbel / Yael Bartana / Philippe Bellaiche / Simone Bitton / Michale Boganim / Amit Breuer / Shai Carmeli-Pollack / Sami S. Chetrit / Danae Elon / Anat Even / Jack Faber / Avner Fainguelernt / Ari Folman / Gali Gold / BZ Goldberg / Sharon Hamou / Amir Harel / Avraham Heffner / Rachel Leah Jones / Dalia Karpel / Avi Kleinberger / Elonor Kowarsky / Edna Kowarsky /Philippa Kowarsky / Ram Loevi / Avi Mograbi / Jud Neeman / David Ofek / Iris Rubin / Abraham Segal / Nurith Shareth / Julie Shlez / Eyal Sivan / Yael Shavit / Eran Torbiner / Osnat Trabelsi / Daniel Waxman / Keren Yedaya

La nave va...

Um dedo de prosa

  Fui selecionada, ao lado de vários escritores e escritoras, para integrar o projeto "Um dedo de prosa". Um dedo de prosa promove...