Wednesday, July 20, 2011

L'amour ça sert à quoi ?



Mulher na janela (Cícero Dias)


Igor ficaria menos tempo do que previmos. No máximo uma semana. Uma semana é o tempo de se contar mais de dez vidas, ele disse. Senti alívio verdadeiro ao perceber que ele não ultrajava nosso recanto, nem nossa intimidade. Apenas sacudia o meu desejo de voltar ao vício – fumar.

Como fosse um adivinho, depois do jantar, ele foi fumar no jardim. Vi seu vulto andando para lá e para cá embaixo da mangueira. Atirando o olhar para a natureza em torno, acompanhando o passeio da lua. Vi a suavidade máscula dos traços de seu rosto banhado de lua. Espiei por uma mínima nesga da cortina. Soltei-a rapidamente quando o olhar dele se voltou para a janela do meu quarto. Parei por um minuto feito uma estátua ancorada na parede. Minha respiração alterada.

Bárbara Lia
Constelação de Ossos
(ed. vidráguas /2010)
pg 50






Lucia M. Russo


Amei uma mulher com cheiro de céu na altura do coração. No silêncio dos dias, longe dela, eu a lembrava e chorava, chorava repentinamente em qualquer lugar. Bastava lembrar o perfume suave da sua alma e a luz que dela emanava. Era o silencioso Darma a nos enlaçar. Era outra história. Era uma fragrância de outra esfera. Sutil, quase inodora. O céu não tem cheiro de nada. Inodoro. Cheiro de Luz Branca.


Branco!

Branco!

O inferno exala no ar chanel n° 5, forte como farfalhar de sedas vermelhas.

- Chanel n° 5: O cheiro do inferno.

Bárbara Lia
Coreografia do Caos - 21 gramas/2010
publicado no formato ebook no site Germina

L'amour ça sert à quoi ?

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.






(Carlos Drummond de Andrade
 in “Amar se Aprende Amando”)

 
fotografia - Bárbara Lia






Minha luxúria - Polaróide antiga
Imprime postais esmaecidos
Sorrisos de conta-gotas


Minha luxúria lacrou
O livro do amor
- utopia dos desgarrados –


(Adeus suspiros de Monalisa
Carícias de carpideira
Despedidas na soleira)




Bárbara Lia
fragmento da poesia - SÉPIA

imagem: Matisse

L'amour ça sert à quoi ?

Isadora Duncan



devagar escreva
uma primeira letra
escrava
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
Flores do mais - Ana Cristina Cesar



que sempre amei
trago-te provas
até que amasses
voltas e voltas
que te amar hei
não se comprova
que amor é vida
ida - sem volta

dúvida, amado ?
fiz o que pude :
abracabraço-te
por vias crucis.

Emily Dickinson




tela - toulouse-lautrec

L'amour ça sert à quoi ?


Quando você for se embora
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,

me leve no esquecimento.



cantiga para não morrer - Ferreira Gullar

imagem - Tamara de Lempicka


Não me procures ali
onde os vivos visitam
os chamados mortos.
Procura-me
dentro das grandes águas
nas praças
num fogo coração
entre cavalos, cães,
nos arrozais, no arroio
Ou junto aos pássaros
ou espelhada
num outro alguém,
subindo um duro caminho.

Pedra, semente, sal
passos da vida.
Procura-me ali.
Viva.

HILDA HILST

La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...