Thursday, August 03, 2017

skyleros dermis: um diálogo com Paul Klee




Há quase dois anos eu teço um diálogo com Paul Klee, mixando arte & dor. Klee morreu vítima da esclerodermia. Eu vi ressuscitar o vírus que veio morar no líquido cinza da minha medula, e o nome científico é - síndrome tardia da poliomielite - sofri dores físicas, fiquei impedida de andar em muitas ocasiões e consegui estabilizar minha saúde depois de uma romaria por meia dúzia de médicos... Já posso fazer de conta que isto não aconteceu comigo. Esta é minha especialidade: negar dor. No caminho desta dor, desde 2008 até aqui dei de cara com Klee. Dialoguei com ele, sua Arte, sua beleza. E quiçá um dia eu publique estes textos que flanam entre a revolta com a dor e a libertação possível que germina em toda espécie de Amor.
No carnaval encontrei um estudo científico e uma fotografia que me fez chorar, a realidade física de Klee diante da esclerodermia... Não sei se conseguirei amar mais um artista do que amo este homem, a beleza absurda de um ser. Ele era poeta, um grande poeta, alguns títulos de seus quadros são versos. 
Klee é inesgotável, eterno, terno, belíssimo...



texto final que entrou no livro "não o convidei ao meu corpo" - editora kazuá - 2018.


A “Síndrome Tardia da Poliomielite” é uma denominação nova para mim e me soterra. A “síndrome” de Paul Klee tem outro nome. O que o matou se chama Esclerodermia. Ele pintou suas últimas telas como quem desenha homens desmembrados. Os anjos despedaçados de Klee. Algumas similaridades entre os sintomas da doença dele e desta síndrome tardia da pólio que veio me visitar agora que é como se fossemos irmãos sentindo as mesmas dores.

Sigo nesta dança pela tenra primavera de Paul Klee armada de amor até os dentes. Alguns homens passam a vida a edificar legados de beleza. O de Klee é um dos mais poéticos e iluminados. Com ele os dias são lavados de humanidade, e seguimos. Quando os nazistas disseram que ele era inepto para seu ofício, assinaram a carta de desumanidade. Sabiam da alma sem preconceito do poeta. Leram a universalidade em suas telas. Paul realmente não combinava com aquela neurose coletiva chamada nazismo que tornou – e torna – o mundo bem mais triste. Paul morreu acossado pela dor profunda: a dor da esclerodermia e dos golpes de maldade que um inocente sofre à sombra da cruel História. Eu consigo imaginar o que ele sentia, apesar de saber que a dor dele foi bem maior. Eu filtro o extremo que a ele atingiu e para mim sobra esta dor chata que vou sentir até o fim.

Paul Klee pintava como quem compõe uma partitura. No final, somos todos: música A cor me possui, ele dizia. A palavra me possui, eu digo. Em meus escritos a dor grita nas entrelinhas. Tento compor a alegria, mas ela só cabe na Natureza. Quando digo da alma do homem é sempre dolorido. Paul pintou corpos desmembrados enquanto convivia com a doença que migrou para o seu corpo em 1.935 e ficou até sua morte em 1.940. A agonia vaza. Os nazistas o taxaram de incompetente. Voltou à Suíça, a cidadania não lhe foi concedida em vida, seis dias após sua morte ele tornou-se um cidadão suíço. Hoje vejo Klee como cidadão do mundo. Ao final da vida, cativo da dor. Não é bom ficar batendo nesta tecla. Não é bom gritar esta parte pequena do que somos: pura dor.

Sinto uma mão úmida e tensa a tomar minha mão, ouço uma voz que me pede para não ficar martelando nesta tecla de agonia como se estivéssemos vivendo dentro de uma sinfonia de Stravinsky. Há o ponto de fuga. Penso que é isto que Paul sussurra setenta e sete anos depois de sua morte, nesta sala, na manhã cinzenta de um país tropical. Menos mal. Nasci para negar dor, e penso que devo aferrar-me ao antigo hábito. Gosto deste terno de tecido antigo que ele usa na fotografia e gosto deste rosto que ele veste quando me visita. Não tenho nada a oferecer a não ser café ou um chá de erva doce. Ele sorri. Aos europeus sempre apresentamos a nossa cachaça. Aos europeus nosso mundo exótico de Natureza e Música. Eu o levarei a uma roda de samba, Klee. Embora eu não possa dançar, haverá uma mulher para te ensinar a ginga maravilhosa da nossa gente espalhafatosa. Somos tão diversos, Paul. Aqui as cores e as coreografias combinam tanto com seus quadros. De alguma forma, vestistes a liberdade plena de tudo que vi norte a sul deste país gigante, adormecido ainda. Ele pulsa como suas rosas pulsam em seus quadros. Ele tem traços fortes como em suas telas, e aqui tudo é poesia, como os títulos dos teus quadros que foram raptados de seus versos. Vê aquele galho escondido em algum ponto de um lugar onde a natureza é bruta? Breve o galho sacudirá e de lá vai voar uma gralha azul linda. Aqui onde vivo ela é o símbolo, e tudo que tem asas eu sigo. Eu amo. Somos cativos de uma dor sim, mas a vencemos, até que ela nos vença – pela morte. Veja a similaridade e não solte minha mão. Parece estranho te materializar assim, de forma tão plena. Isto é obra de poeta. Sinto falta de um lugar sonhado. Um lugar que se constrói agora como em um filme que se passa cem anos atrás. Vejo uma trilha de chão batido que dá em uma alameda cercada por árvores altas. Adiantando a cena, vejo de costas o teu casaco surrado e tua mão a puxar-me para esta estrada. Longe deve haver um lugar onde a grama é tapete de ternura, o rio, o cheiro das flores silvestres. Tela e tintas. Um dia todo para rir e criar e para partilhar tudo que não é dor. Não solte minha mão, Paul! Não solte!

Era para falar do que somos cativos, mas não somos. Não somos.




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