Sunday, July 09, 2006

dia do poeta







Ando vestindo um estranhamento de mim
um estranhamento do mundo.
Eu tinha conseguido banir a aurora ardente,
eu tinha varrido as canções
das moças brancas de lábios vermelhos
que bailam no bosque sagrado de Upsala.
Todos os grandes cenários
onde eu expandia o sonho:
as caravanas do deserto,
os tuaregues,
a lua crescente que é meu totem,
o delírio das noites brancas.
Eu tinha conseguido
colocar a capa frígida de plástico na alma.
Até o anjo astuto rasgá-la inteira,
me atirou nua no cenário.
Aí está a mulher:
- nua –
Se esconde
e se esconde tanto
que até da poesia se esconde,
se assusta tanto
que não é mais Eva, agora é Lilith...
agora é Anaïs esperando Henry Miller...
agora é Frida rasgando a dor em telas...
agora trafega entre narcisos em Devon,
amando um poeta britânico
que vai deixá-la
e vai fazer sangrar a aurora
que Ariel quer alcançar,
e vai espantar a lua
que nunca se entristece,
e os estúpidos confetes...
agora apanha o casaco e segue ao Tâmisa.
Corre! Corre!
Não deixe que Leonard a alcance.
As passadas todas
das mulheres serenas de loucura.
Agora está no rochedo em Mar Del Plata
e vai viver em uma casa de vidro
em um oceano de translúcidas algas...
agora segue e atira ao vento
a tua dor consentida,
atira as palavras aos pés,
aos pés de quem nunca merece,
agora ensaboa este corpo
de musa divina,
agora cale a tua voz - catedral –
agora cesse tudo, e apanha
a luva de pelica,
a mala,
tua complacência feminina,
ensaboa este corpo de neblina
e te afasta
destes olhares túrgidos,
desta dor que avassala...
Lá está aquela esquina,
onde quase todas elas se perderam.
Eu me encontro em uma linha reta
e vou seguir em frente,
tem uma primavera no final
e eu sempre sonhei a primavera,
muito embora eu tenha que reconhecer,
que elas merecem
o meu respeito eterno,
todas elas...
Anais Nin, Frida Kahlo,
Virginia Wolff, Sylvia Plath,
Alfonsina Storni,
Ana Cristina.
Um brinde
com esta ternura e graça,
com esta ternura aflita,
aos que não ficam
construindo catedrais ocas,
os que viveram a poesia
até secar a fonte e calar o grito,
os eternos
que não se preocupavam
em teorizar,
mas,
em compor a beleza
com os rastros e restos
e sua verdade consentida,
que eu quero como água
mesmo ferindo um coração de vidro.
.
BÁRBARA LIA
04.10.2005 – dia do poeta.

marcos prado



.


não escreve aqui quem sabe de tudo
o que você quer, o que sabe, para mim, nada
apenas quero daquele que é mudo
dizer o que acha dessa palhaçada
.

O ritmo vale mais que a métrica e a rima
a métrica é salão e rima cozinha
tudo que a inteligência dizima
é fato a mim e idéia de fato minha
.

você, que é devorador de comida alheia
que se serve do talendo de outro prato:
seu sangue não vai mudar de veia
se não criar pra você um novo braço
MARCOS PRADO (1.962-1996)

torquato neto

Cogito

eu sou como eu sou

pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível


eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora


eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim


eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.

TORQUATO NETO - (1.944-1972)

do livro - Os Últimos Dias de Paupéria - Max Limonad - Rio de Janeiro, 1973,

luvas de pelica


Tenho medo de perder este silêncio.Vamos sair? Vamos andar no jardim? Por que você me trouxe aqui para dentro deste quarto? Quando você morrer os caderninhos vão todos para a vitrine da exposição póstuma. Relíquias. Ele me diz com o ar um pouco mimado que a arte é aquilo que ajuda a escapar da inércia. Outra vez os olhos.Os dele produzem uma indiferença quando ele me conta o que é a arte.Estou te dizendo isso há oito dias. Aprendo a focar em pleno parque. Imagino a onipotência dos fotógrafos escrutinando por trás do visor, invisíveis como Deus. Eu não sei focar ali no jardim, sobre a linha do seu rosto, mesmo que seja por displicência estudada, a mulher difícil que não se abandona para trás, para trás, palavras escapando, sem nada que volte e retoque e complete.Explico mais ainda: falar não me tira da pauta; vou passar a desenhar; para sair da pauta.
Estou muito compenetrada no meu pânico.Lá de dentro tomando medidas preventivas.Minha filha, lê isso aqui quando você tiver perdido as esperanças como hoje. Você é meu único tesouro. Você morde e grita e não me deixa em paz mas você é meu único tesouro. Então escuta só; toma esse xarope, deita no meu colo, e descansa aqui; dorme que eu cuido de você e não me assusto; dorme, dorme.Eu sou grande, fico acordada até mais tarde.
ANA CRISTINA CESAR (1.952-1983)
- do livro Luvas de Pelica - Inglaterra, Novembro 1.980

cacaso















Cacaso (1.944-1.987)

PSICOLOGIA DO ETERNO

Meu corpo visto no breu
não envelhece: tal a fúria
da gaivota devoradora de tempo.
Meu corpo, no tempo, é negro.

Existo na véspera. O que sou
não anuncia: se repete.
Assim a música prevê
sua intenção de estátua.

Longe da morte me lanço.
No crepúsculo congelado
meu suicídio se exala.

Fico na morte irrealizado:
Casta paisagem cria o olho
que apenas se constatou.

Rio, 1965

CACASO

do livro LERO - LERO (1.967-1985)
7 Letras e Cosac & Naify

héctor viel temperley

Mes de Marzo de 1986
Pabellón Rosetto, larga esquina de verano, armadura de mariposas: Mi madre vino al cielo a visitarme.
Tengo la cabeza vendada. Permanezco en el pecho de la Luz horas y horas. Soy feliz. Me han sacado del mundo.
Mi madre es la risa, la liberdad, el verano.
A viente cuadras de aquí yace muriéndose.
Aqui besa mi paz, ve a su hijo cambiado, se prepara - en tu llanto - para comenzar todo de nuevo.
Héctor Viel Temperley (1.933-1994)
Argentina
do livro Hospital Británico

La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...