Thursday, December 08, 2022

Live: Francine Cruz entrevista Bárbara Lia e Rebecca Loise

No dia 07/12 um encontro no Instagram apresentou duas poetas que falaram de seus livros: Carta ao Mundo e Engordei o sol noturno. Com a direção da escritora Francine Cruz. 

Monday, November 14, 2022

Natal de 2022 - Presenteie livros - Prosa e Poesia de Bárbara Lia

 



As Filhas de Manuela
 

 - Romance (realismo mágico)


A narrativa inicia em 1839 em plena Guerra dos Farrapos e segue até os dias atuais. 

O enredo acompanha a vida de todas as descendentes de Manuela,  uma garota simples de Paranaguá que, ao encontrar um oficial da Armada  Nacional muda totalmente de direção a sua vida pacata quando ela deixa a casa dos seus pais e sai em uma busca e esta busca do homem amado. No caminho ela encontra alguém cruel.  Este homem, rejeitado por Manuela, amaldiçoará Manuela e as futuras gerações. Essa maldição acrescentará dor e perdas e o adendo de levarem, todas as mulheres da estirpe de Manuela, uma sombra da cor do sangue. Como cada mulher vive esta peculiaridade e os desdobramentos deste encontro de Manuela com o amor e o ódio vai definir os passos futuros em um círculo de perdas e superações.

 

 

Eden

 (Poesia & Prosa)


“Eden” dialoga com o Cinema em 88 páginas divididas em 04 capítulos:

 

Sara / Robson e o Homem do Deserto

Rimbaud Verlaine

Eden

Fotogramas em Flor de Algodão

 

Imagem da capa: Eden Theatre (France Today)

 

As poesias e as crônicas descortinam um Universo íntimo e pessoal, pensamentos e narrativas que trafegam pelo mundo interior da poeta. Não é um livro de crítica cinematográfica, é um diálogo poético e visceral com enredos e personagens que tocaram a Mulher.

 

 

 


Carta ao Mundo

 (Poesia)


"Carta ao Mundo" reúne poemas de dez livros publicados entre 2004 a 2021, com cortes, recortes, e a adição de novos poemas. 440 páginas que resume a trajetória poética de Bárbara Lia.  Capa e contracapa: Fotografia de Tom Spross (Rural mailboxes in Santa Fe).


"As filhas de Manuela" e "Eden" - R$ 30,00 + valor da remessa via Correios.

"Carta ao Mundo" - R$ 55,00 + valor da remessa via Correios.


Enviar mensagem privada para saber como adquirir. Mensagem via páginas nas redes sociais, ou através do e-mail barbaralia@gmail.com. 

Friday, November 11, 2022

Mulheres

Durante minha caminhada pela poesia eu encontrei poetas e autoras que eu lia no início do meu encanto por algo que não fosse os épicos que eu ouvia na minha casa. Emoção imensa em um encontro com Ana Miranda. Eu disse: Quando crescer quero ser Ana Miranda. Ela disse: Você é Bárbara Lia. Alguns anos antes ao pedir um autógrafo ela escreveu - Para Bárbara de olhos tão pristinos e tão doces. Uma alegria ouvir de Eunice Arruda e Renata Pallottini que elas liam meus poemas. Um susto. Uma sensação de que tudo o que se engoliu com o gosto cáustico se tornou doce. Para isto vivemos, como eu disse ontem a um belo homem: Isso é tudo que poetas desejam ouvir. Que se apaixonam por nossas palavras. Que, de alguma forma, tocamos o outro.

Há poucos dias encontrei-me com as - mulheres do meu círculo - pessoas que tornaram menos gélida a aura da cidade que é sempre congelante. Literalmente, ou não. Nossa noite no evento "Esbórnia Poética", quando o lançamento foi duplo, encontrei mulheres que escrevem e militam. Essa palavra (militar) criou asas da minha vida. A velhice e as doenças silenciosas precisam de reclusão e distanciamento. Mas eu sei que Francine Cruz e Edra Moraes militam diariamente para que os escritos não sejam esquecidos, para falar do que está sendo criado pelas Mulheres. 

Foi linda a noite do lançamento no Wonka Bar, ao lado de Rebecca Loise e convidadas.

Conheci Rebecca no ano de 2006, eu a vi atravessar o pequeno porão do Wonka Bar e subir ao palco. Dezesseis anos ela tinha, e fiquei impressionada com sua escrita pungente. Enquanto ela viveu em Curitiba dividimos passeios e encontros em cafés. Amava quando ela abria seu caderno universitário e lia seus textos para mim. Francine e Edra encontrei - assim - relances e momentos onde coube um oi e um tchau. Mas no lançamento duplo no dia 25/10 elas subiram ao palco ao lado de algumas atrizes belas que Rebecca convidou para ler nossos poemas: Maria Amélia, Daiane Caldeira, Jaque Silva... Noite linda!


A Poesia segue, seguimos escrevendo e espalhando nossa essência de aço & flor.






Para que haja luz lá fora

 

 

À sacralidade da natureza nada estremece:

O canto do pássaro

O assombro da rosa fúcsia

O coração da natureza -

Pura matéria das estrelas

 

Nós somos enxertados

Pelo sopro de dois anjos

O anjo do bem - descido das alturas

O anjo do mal - que veio a galope do desconhecido

 

Qual deles está amalgamado ao teu ser?

 

Amor se reconhece no ato

O ódio é este infiltrado

Via fatos, pessoas, eventos

O ódio é multifacetado - enganoso

O amor é como um menino

Livre e nu

Correndo de peito aberto

 

Gosto das pessoas eletrizadas

São as que amam

As que odeiam são contidas

Escondem sob a pele a farpa

As pessoas que odeiam

Voltam-se para dentro de si

Feito criptas

As que amam saem ao luar

Ao vento, ao destino

 

Invejo pássaros, rosas, rios e vento

Por saber que a sacralidade da natureza

Não é atingida pela onda

Esta que ora chega 

 

Como chega a tantos lugares

De tempos em tempos

Esta que persegue e carimba

Segrega e mata

 

Quando encontrarem nossos ossos

Eles serão leves

Serão como somos hoje:

Sol, liberdade e Poesia

 

Ninguém saberá quem odiou

E quem foi odiado

A mesma ossatura humana

Sem distinção

O negro, a mulher livre,

O mendigo ou cada poeta

Nossa ossatura tal e qual

A dos que –hoje – se conclamam deuses

E dizem que são escolhidos

E acham que podem

Com seus dedos de ódio

Brincar de: “uni duni tê o escolhido foi você

Virarão pó e ossos e igualdade

- Enfim -

 

Resta dobrar de encontro ao coração

O estrondo do mundo

Para caber no peito

O quão grande é

E foi tudo

 

A esplendorosa vida

A delicada vida

A orgástica vida

Esta que dançou em minha pele

Nadou no meu sangue

E espera, em paz, meio à natureza,

Que ignora a podridão

 

Lembrar o último beijo

O verso último que brotou ainda agora

Ter a certeza de que ainda faltam séculos 

Para que haja luz lá fora


Bárbara Lia

Carta ao Mundo

(edição da autora)



ENGORDEI O SOL NOTURNO


Às vezes eu ando meio noite
De tempos em ventos
ando meio dia
até quando o relógio
grita: — É meia-noite!

Dei de comer e beber
ao sol noturno
Assim como Cecília
deu de comer
aos pássaros
e deu de beber
à terra

A palavra tem
mais fome
e mais sede
do que alguém
que vive em carne
identidade e osso

Dei de comer
palavras para não
morrer feito gente
que morre sem alma

A íntima idade do tempo
eu alimento quanto mais
palavras eu como
Nem meia noite nem meio dia
às vezes ando meio sem chão
e caio de boca numa poesia


Rebecca Loise

Engordei o sol noturno

(Editora Urutau)



fragmento do texto ANA

Ana era uma cigana doidivana. Desde criança, peralta, saltava de um lado para o outro declamando aos metros versos longos e sentidos. Depois virou profissional. Escrevia poemas, diários e cartas, muitas cartas. Era amiga dos carteiros que levavam seu coração impresso em cartões postais. A libertinagem da linguagem. Prosa que dá prêmio. Piano no bordel. Gertrude e Catarina, Gil e Mary, Clara e Heloisa.
Era fiel aos acontecimentos biográficos. Mais do que fiel, oh, tão presa! Nos cadernos terapêuticos contava sua grande história passional, guardada a sete chaves pela mulher mais discreta do mundo. Loura donzela, adorava enigmas e que nós, que habitamos a mesma casa, caçássemos palavras como ela. "É inútil manobrar a lupa da adivinhação", dizia, e, apesar do nosso esforço, era sempre ela quem admitia vitória.

Francine Cruz
A obra poética de Ana Cristina Cesar: ressignificação do biografismo.
página 85
(Donizella)





Aguarde na antessala


o amor é a antessala do vazio
o beijo a antessala do escarro

a antessala da traição
será sempre a fiel de devoção

o desejo arde
na antessala do desprezo

nervosa espera a vida
na antessala da morte

na porta, a inscrição diz:
aqui morreu a esperança,
a bem aventurança e
a pobre Ismália enlouqueceu

Edra Moraes
Para ler enquanto escolhe feijão
(Atrito Arte Editorial)



O link para o recital "Esbórnia Poética", no lançamento de Carta ao Mundo (Bárbara Lia) e Engordei o sol noturno (Rebecca Loise).

https://www.instagram.com/tv/CkKNqrTO94p/?utm_source=ig_web_copy_link

Friday, November 04, 2022

Carta ao Mundo - Poesia - Bárbara Lia

 



"Carta ao Mundo"

Poesia
Bárbara Lia
440 páginas
ed. independente
ISBN 978-65-00-52448-2
Capa e contracapa: Fotografia de Tom Spross (Rural mailboxes in
Santa Fe).
Ilustrações do miolo: Desenhos de André Lissonger e Ane Fiuza, telas de Alphonse Mucha e fotografia da autora by Daniel Castellano.
"Carta ao Mundo" reúne poemas de dez livros editados entre 2004 a 2021, com cortes, recortes, e a adição de novos poemas.
Para receber um exemplar autografado enviar mensagem privada nas redes sociais, ou e-mail para barbaralia@gmail.com.
Poesia, sempre!

Saturday, October 29, 2022

Sobre encontrar luz na sombra da cidade - Ana Lúcia De Paulo Superchinski

 






























Sobre encontrar luz na sombra da cidade

Ana Lúcia De Paulo Superchinski

 

 

            Bárbara Lia é uma poeta paranaense nascida em Assaí, foi professora de História e Geografia e começou a publicar seus livros de poesia a partir de 2004, com quase cinquenta anos. Hoje tem títulos de poesia, contos, romances e novelas publicados, a maioria por editoras independentes, nas formas física (incluindo algumas edições costuradas por ela mesma) e digital, além de textos publicados em diversas antologias de poesia, revistas e jornais literários. Já recebeu ou foi finalista de várias premiações, e mantém o blog Chá para as Borboletas. Veio já adulta para Curitiba, onde mora até hoje, depois de viver em Peabiru e em Campo Mourão. O poema selecionado é do livro de mesmo nome, publicado em 2006.

 

            Segundo Márcio Davie Cruz, estudioso da poesia curitibana das primeiras décadas do século XXI, recebeu as mais diferentes influências: do ideal beat de poesia, da poesia surrealista de Tristan Tzara, André Breton e outros, e de outras artes, como cinema, pintura, escultura, fotografia, música, etc. Todas estas influências, por sua vez, já são frutos de uma concepção iluminista das artes: conforme Carlos Felipe Moisés, no Ocidente do século XVIII elas já haviam a muito perdido a sua função de cantar as memórias sagradas de uma coletividade, e agora estavam a serviço da subjetividade dos artistas, que assim deixaram de ser meros artesãos que precisavam se submeter a mecenas do clero, da nobreza e da realeza e passaram a querer escandalizar o burguês das grandes cidades, ou pelo menos, ao propor a poesia como algo inútil, “inutensílio” (para usar o neologismo criado por Paulo Leminski), opor-se à ideia de que tudo no mundo precisa ter uma utilidade prática, principalmente se esta utilidade for para gerar mais lucro ao burguês. No século XIX, Charles Baudelaire foi um dos primeiros a levar a cidade para a sua poesia, com isso procurando encontrar poesia onde a princípio seria impensável que ela existisse, e com isso tirando também a sacralidade da poesia, libertando-a, fazendo com que ela pudesse abordar qualquer assunto sob qualquer estética, afinal esta agora era a nova realidade dos poetas, o que foi uma das sementes para o que depois se chamou Modernismo.

 

            Já no século XX, o Surrealismo surgiu, entre outras razões, como reação à Primeira Guerra Mundial (1914-18) e como dissidência do Dadaísmo de Tristan Tzara, aproveitando-se da valorização que Freud fazia dos sonhos como material terapêutico, na cultura ocidental onde eles já tinham perdido grande parte do seu prestígio para a maioria das pessoas, pois não se acreditava mais que eles eram premonições do futuro, embora com objetivos diferentes, pois os artistas surrealistas passaram a usar as imagens e símbolos e a falta de sequência lógico-racional que eles traziam como combustível para suas criações, valorizando ao máximo o inconsciente em detrimento do consciente nas suas práticas, e assim procurando fugir de uma atitude racional diante de um mundo e de um Eu que na verdade eram irracionais, e que deviam ser vistos como não tendo utilidade alguma, para que os objetos artísticos pudessem ser admirados apenas por si mesmos. Isso não quer dizer que eles só encontravam beleza nesse caminho, e um dos melhores exemplos disso é a impactante sequência da mulher com o olho cortado por uma navalha, do filme “Um cão andaluz”, de Luiz Buñuel.

 

            Depois, ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-45), surgiu nos Estados Unidos o Movimento Beat, que ganhou mais expressão na década de 1950 e cujos expoentes foram Jack Kerouac, Allen Ginsberg, William Burroughs e outros. Diante de um pós-guerra sufocantemente conservador para os mais jovens, eles propuseram saídas como romper com o meio opressor para cair na estrada e ver as coisas por si mesmos, usar drogas para expandir a mente, fazer as próprias experiências espirituais e produzir arte a partir do que se vivenciou, esquecendo as regras da “boa escrita” para registrar as próprias vivências com a própria voz, o que influenciou os hippies, da década seguinte, e várias outras gerações de artistas. Entre eles, aqui no Brasil, a poesia que se fez nas décadas de 1970 e 1980, desde a de resistência direta à ditadura militar, politizada, até a de desbunde, que fazia recortes de cenas cotidianas com humor, da qual um dos expoentes foi Paulo Leminski, também influenciado, entre outras coisas, pela poesia concreta dos anos 1950 e 1960, por seu trabalho como jornalista e publicitário, pelo haikai japonês, pelos experimentos de Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud, Cruz e Sousa, etc.  

 

            Assim, pode-se dizer que Bárbara Lia é uma autora pós-modernista, e como tal atualmente participa da cena literária curitibana (ainda que de forma discreta). Cruz diz que após a morte de Paulo Leminski, em 1989, a poesia na capital paranaense ficou um pouco órfã de propósitos, “de ressaca” das décadas anteriores, só retomando um pouco mais de vigor a partir da primeira década do século XXI, onda à qual pertence Bárbara Lia, por ter publicado seu primeiro livro, “O sorriso de Leonardo”, em 2004. A partir daí ele engloba os vários poetas de Curitiba em divisões como “Poesia de Expressão Vital” (PEV) e “Poesia de Composição Onírica” (PCO), que podem ser definidas rapidamente como se segue:

 

·         PEV: Das temáticas recorrentes: é a poesia dos lugares baixos, da boca-do-lixo, do desregramento, da transgressão, do desbunde e do desbocamento, do marginal e do maldito; das vicissitudes, das (novas) drogas, do desespero humano, que oferece o homem nas suas baixezas e vilezas; mas também é a poesia da revolta, da ironia, do humor, do escárnio, do cinismo, da auto ironia, da acidez e da mordacidade; do contestatório; da crítica social, moral, política e literária; da polêmica; da intriga (literária e real, vide censuras e processos sofridos por diversos autores do gênero, Henry Miller, Ginsberg, etc.). (CRUZ, 2013, pp. 54-5)

 

·         PCO: Da ambientação: poesia feita com imagens de paisagens, ambientes e territórios próprios da atmosfera dos sonhos, das coisas que não existem, do desconhecido, do incognoscível, do incriado; do inconcebível do ponto de vista do real; do que se afasta do cotidiano e, se retorna a esse cotidiano é para buscar a identidade do sujeito e do mundo perdida no absurdo; o medieval no moderno e o moderno no medieval; a franquia de uma dimensão épica à outra.

Dos espaços e dos elementos: a tendência busca geralmente o espaço interno, muitas vezes redirecionando (ou redimensionando) a sua dimensão ou orientação espacial, seja ele aéreo, aquático ou terrestre. Seus principais elementos são a água, o ar, o céu, o fogo, a noite, o sol, os minerais, os objetos, animais e seres estranhos, mitológicos ou excêntricos.

Dos efeitos transmitidos ao leitor/receptor: a dispersividade; a rarefação das atmosferas poéticas; o magnetismo; o alquímico; o mágico; o monstruoso e o aberrante; o espanto e a atração diante da realidade cambiante; o fascínio pelo horror, o folclórico e o lendário; o humor pelo burlesco e o excêntrico; o amor, pelo sublime ou pelo encanto; a beleza das coisas, do mundo e da vida através de um lirismo dinâmico sem perder a ternura; descrita em termos físicos e psíquicos suas reações remeteriam à loucura do devaneio, do delírio e da febre… (CRUZ, 2013, pp.  55-6)

 

 

            Bárbara Lia é identificada por Cruz no grupo de “Poesia de Composição Onírica”, porque em seu estudo ele ressalta como a poeta nos leva de um sonho a outro em cada um dos seus poemas, ao formar combinações surpreendentes de palavras e imagens justapostas, parecendo ter o objetivo de procurar ou mostrar a poesia onde não se espera que ela aconteça. Aqui dá para citar Leminski: “uma cidade se lê com o corpo. (…) Uma cidade não se lê com os olhos. (…) Uma cidade não se lê com o corpo. Uma cidade se lê com a vida. A vida sabe ler? (…) Detesto cidades fáceis de ler. Só amo cidades que já sei de cor” (LEMINSKI, 2014, p. 87). Ou como diria Saussure, citado por Cruz, “Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que ‘é o ponto de vista que cria o objeto...’” (CRUZ, 2013, p. 11)

 

            Ainda outro ponto importante da poesia dela, como mostrado no poema que segue, é a relação dela com Curitiba, cidade na qual, ainda que não tenha nascido, adotou como sua:

 

Noir

 

            Pom/bas/ be/bem/ fa/gu/lhas      (6)

            do/ sem/pi/ter/no en/can/to,        (6)

            nas/ pe/dras/ do/ Lar/go/ da /Or/dem. (7)

            O/ vi/dro/ do/ Me/mo/ri/al           (7)

            re/fle/te u/ma i/ma/gem               (4)

            - Ho/mem/ de/ ne/gro                  (4)

            com/ vio/lão/ nas/ cos/tas         (5)

            Cris/tal/ /qui/do/ do/ meu/ go/zo  (8)

            im/preg/na/do/ de/ pe/dras.          (6)

            Pás/sa/ras/ ton/tas/ bi/can/do        (7)

            o/ céu/ no/ chão.                           (3 – 4?)  A

            O /ven/to e/xe/cu/ta /Ba/ch          (7)

            e e/ter/ni/za a i/ma/gem               (5)

            (no/ir)                                           (2)

            no/ vi/dro                                      (2)

            trans/pa/ren/te e al/to                    (4)

            da/ ar/ma/ção                                (3 – 4?)   A

 

 

            Nota-se que quase não há versos rimados – só os há se se considerar o 11 e o 17 como rima “de pé quebrado”. Também aqui não há preocupação com a métrica, os versos variam muito de tamanho, de 2 a 8 sílabas. A musicalidade, no entanto, está presente nos ecos no interior dos versos: estes começam com P (pombas, bebem, sempiterno), D (do, pedras, Ordem, vidro, de), M / N (uma, imagem, homem, negro), L (fagulhas, reflete, cristal, líquido), G (fagulhas, negro, gozo, impregnado), C (costas, bicando, céu, chão, executa, Bach, armação), noir / no vidro e T (costas, eterniza, transparente, alto). Estes grupos de palavras se justapõem entre si, podendo gerar imagens inusitadas que dizem do olhar deste eu lírico sobre o mundo. No entanto, elas giram em torno principalmente da cidade (Largo da Ordem e Memorial, que são referências diretas a Curitiba) e da luz. 

 

            Este segundo ponto é o mais importante, visto que a ele já se refere seu título - “noir”, em francês, significa “negro”, o que aqui pode significar tanto o contraste com a luz que vai inundando abundantemente o poema, quanto uma referência ao subgênero de cinema francês chamado “noir”, que se aproveita muitas vezes de cenários na penumbra, para ambientar suas histórias de detetives (e os próprios personagens, tanto os protagonistas tidos como os heróis como os suspeitos e as femme fatale, costumam usar roupas mais escuras e sóbrias, o que representa que seu caráter é dúbio, o que constrói uma incômoda atmosfera de não transparência, opacidade). Ainda outra pista nesta direção são as referências à visão dela, aos óculos com os quais está vendo a cena: cristal líquido, vidro transparente e alto da armação. Vidro e cristal refletem a luz (palavra que também está no poema, no entanto relacionando-se ao vidro do Memorial), o que é o efeito oposto deste tipo de filme, dominado pela escuridão e nos quais a luz costuma ser mais difusa. Em tempo: quem conhece a obra de Bárbara Lia já está familiarizado com a grande quantidade de referências dela ao cinema, artes plásticas, música (neste poema, Bach) e outros poetas.

 

            As pombas podem estar aí como o prenúncio silencioso de uma epifania que vai acontecer, que, no entanto, é algo que pode ser considerado banal: o encontro dela com um dos vitrais do Memorial de Curitiba. No entanto, teria sido esta a primeira vez em que ela viu esse vitral? E, sabendo que ela só começou a morar em Curitiba na idade adulta, há duas hipóteses: ou foi a primeira vez que ela andou por essa parte da cidade, ou foi a primeira vez em que parou para realmente prestar atenção na beleza dessa pintura, quando talvez o Sol, as pombas, o vidro dos óculos e o vento compuseram esta pintura. Ou ainda uma terceira alternativa: este texto foi uma composição muito posterior, já na imaginação e lembranças dela de outros momentos passados nesse lugar. De qualquer forma, pode-se dizer que a poeta pintou um quadro, tirou um instantâneo da cidade, que muito pouca gente perceberia se não fosse pelas palavras dela. E, assim, cumpriu a função que muitos poetas se atribuem hoje: encontrar a poesia no seu cotidiano e, portanto no cotidiano dos seus leitores, fazendo do gesto de oferecer beleza uma forma de rebeldia contra a realidade tão noir das grandes cidades.

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

 

- CRUZ, Márcio Davie Claudino da. Duas tendências da novíssima poesia curitibana no alvorecer do século XXI. Disponível em:  http://www.humanas.ufpr.br/portal/letrasgraduacao/files/2014/07/Marcio_Davie_Cruz.pdf. Acesso em 25 de abril de 2022.

 

- GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2008. 

 

- LEMINSKI, Paulo. Ensaios e anseios crípticos. Curitiba: Inventa, 2014 (Coleção Gazeta do Povo – Literatura Paranaense).

 

- LIA, Bárbara. - Blog Chá para as Borboletas. Disponível em: http://chaparaasborboletas.blogspot.com/2011/12/poesia-de-barbara-lia.html. Acesso em 25 de abril de 2022.

 

- _________________. Noir. Curitiba: Wunderlich, 2006.

 

- MOISÉS, Carlos Felipe. Poesia e Utopia – Sobre a função social da poesia e do poeta. São Paulo: Escrituras Editora, 2007 (Coleção Ensaios Transversais).

 

 


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Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...