Tuesday, June 24, 2008

O encontro perfeito

Sean Connery - Rob Brown



Alguns encontros são perfeitos. Na arte e na vida.

Encontrando Forrester (2.000). Um filme de Gus Van Sant, com Sean Connery e Rob Brown. O ator Rob Brown estreou neste filme, mas, fica difícil acreditar. O menino quase rouba a cena de Sean Connery, mas, como ninguém rouba a cena de Sean Connery a dupla torna o filme belo. Belíssimo. Um garoto negro do Bronx que joga basquete muito bem e que escreve em surdina, guardando cadernos e cadernos de textos sem mostrar a ninguém e um escritor recluso que escreveu um único livro, premiado com o Pulitzer. William Forrester, o escritor; Jamal Wallace, o garoto, dão uma lição de parceria.

Eu te dou de volta o sopro da esperança e tu me dás o grão maduro da vivência. Eu te ensino a andar de novo de bicicleta para beber a primeira brisa da manhã e tu me ensinas o silêncio. Eu te dou o meu silêncio prá proteger teus medos. Eu te dou de volta a coragem de um novo exílio para criar o verão, mesmo que seja o último sopro de tinta nas páginas... Na solidão de Forrester está escondido um espanto que quem escreve vive. De olharem para ti como se tu fosses a tua obra. E no escritor isto é mais complexo do que em todas as artes. Pois não estás em um palco e nem atirastes de forma concreta tua Arte em uma tela. Os teus leitores sempre te olham como se tu fosses o livro, o poema. Te escondes das palavras que te ungem, depois de tê-las buscado - às palavras da tua obra - como o pescador ao peixe mais arisco. Te escondes das setas que atiram em ti e não sabes explicar que não és aquilo que escreves, ou que podes até conter belezas, mas, em ti também está contido o banal e que és igual a todos. Decididamente não vives em um jardim cercado de borboletas... Nem és o personagem desgraçado que passeia pelas páginas de seus livros. Mas, explicar, como? Em uma cena Forrester deixa transparecer isto... Mas, em todas as cenas é apenas o delírio, este que apenas quem escreve sabe - a busca pelo caminho que vai criar o texto mais bonito, o livro único que impacta por quatro décadas, o romance do século... Quem não ambiciona isto?
O espanto do professor obtuso diante dos escritos do garoto. Esta falta de sensibilidade que por vezes impera - como pode um menino do Bronx escrever tanto? E ele desafia o professor e ele mostra que a Literatura é um tesouro aberto, em bibliotecas pelo mundo todo, toda a água pura, o ar do éden, toda a magia e a loucura, todo o espanto e toda filosofia e toda poesia... Este menino aprendeu como aprendem alguns - bebendo da fonte pura. É assim, na solidão dos dias e das noites, alguns se atiram com avidez na fonte pura, e encontram um Forrester, como o menino encontrou; como eu encontrei. Estes encontros perfeitos que vão tirando dos olhos da gente a venda, que vão ampliando e mostrando um caminho nada banal, um encontro mágico. Estes encontros mágicos vão soprando o barco dos nossos sonhos e nossas esperanças para o alto, para longe, para muito longe, a ponto de tocar a aresta de algum astro, ou de muitos...
Em uma fusão perfeita, o encontro de Forrester com o menino coloca nos trilhos duas vidas e libera o oxigênio e acende a chama.

Quero luz!

Fragmentos do livro – O homem medíocre:

- A hipocrisia é a arte de amordaçar a dignidade.
- O homem que pensa com a própria cabeça e a sombra que reflete pensamentos alheios parecem pertencer a mundos distintos. Homens e sombra: diferem como o cristal e a argila.
- As sombras não crêem.
- Quem marcha em direção de uma luz não pode ver o que ocorre na sombra.
- A mediocridade teme o digno e adora o lacaio.
- Poucos sonhadores encontram um clima e uma ocasião que lhes exalte a genialidade. A maioria é vista como exótica e inoportuna...
José Ingenieros (Giuseppe Ingegneri )
Palermo, 24 de abril de 1877Buenos Aires, 31 de outubro de 1925
.
(...)
Luz, quero luz
Sei que além das cortinas
são palcos azuis
E infinitas cortinas
com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
recolham ao cais
Que os faróis da costeira
me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe,
Longe, leva mais
Chico Buarque – Vida

Para quem viaja ao encontro do sol
É sempre madrugada
Helena Kolody


Lendo – O homem medíocre – José Ingenieros (Livraria do Chain Editora) neste inverno rigoroso é mais ou menos como tomar um chá de uma erva rara. Um vento de fogo no frio, estas horas santas em que um livro te sacode e te dá forças para mais um tanto de caminho. Longo caminho este, serpenteado de sustos. Mas, buscando sempre, cavando sempre a rocha escura. Lembrei a canção do Chico, a poesia de Helena Kolody: Quero luz!

La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...