Pela madrugada
o vento levantando
papéis carbono
Pela madrugada
alguém enfiando
uma argola em seu mamilo.
Eu penso no poema de um lírico
que morreu num hospital
anônimo como indigente:
Ir no seu barco
para o fundo
ou para a leveza
De madrugada tomamos o expresso
e vimos uns outros tantos
entornando vômito.
Choveu.
O ar está úmido e fresco
e ainda assim engolimos a seco.
Ilustres anônimos
a madrugada é nossa.
Podemos ir cantando alto.
***
Da sua viagem
ao Himalaia traga-me
um floco de neve.
***
rosa
não usa
ziper
rosa
usa
botão
***
quando éramos crianças
usávamos azul-marinho
na escola
eu ainda não conhecia
o mar.
***
peixes de aquário
não sabem
do mar
***
peixes de aquário
podem vir a saber
do mar
através de sustos, cismas,
miasmas
ou ainda símbolos
primitivíssimos que ascendem
no tempo
registrado em suas
pequeninas células
ictioplasmáticas.
***
Stella me quer andarilho.
diz que
com lenço de batik na cabeça
............pareço um andarilho.
um que ela conheceu
................no trem para corumbá
e que come goiabas com ela
na plataforma,
..............segundo uma fotografia.
.................................claro,
..........................um andarilho.
por mais que permaneça aqui,
estarei sempre
..............só de passagem
enquanto
a luz do sol ah! tingir-me
**
companheira de viagem
fomos à ilha, a minas
ao pantanal
mas precisávamos terminar
o roteiro
ao redor de nós mesmos
companheira de viagem
vem ser
companheira de vigílias.
***
por enquanto não sou o homem das lonjuras.
então, rendo graças a esses objetos
que agora me deixam:
a colher de pau quebrada ao meio;
a panela de barro rachada, vazando sobre
o fogo;
a mochila que devolvo ao tião, esgarçada.
tudo isto
transforma-se
no livro
que não é.
me livro.
*****************
um segredo meu
é um segredo do mundo
enumerando coisas independentes?
:a componente sádica dos dentistas
:pivetes mostrando seus pintinhos
quando passamos de carro na avenida
:ser a versão longínqua de meu pai
segundo jane
:o acorde apocalíptico das cigarras
no fim da tarde
qualquer revelação mínima
é uma revelação do mundo
***
estou nas últimas reservas
.........................das sementes.
caminhando ao largo desta rota:
"...meu amor, pasqualone, ri..."
eu adquiri uma alma
....................violácea neste cansaço
logo à frente,
..............dou meia volta vamos ver
...............................e refaço os gestos
de algumas cenas perdidas.
o que quer que se repercuta?
eu já estou
na palha das sementes
ROLLO DE RESENDE
(1.965-1995)