Sunday, November 28, 2010


(...)


O vácuo do amor natural me sugava. A mata inteira que me rodeava e seus rios escondidos, cada animal livre, cada beija-flor, cada flor. Respirar fundo deu um tom cinza escuro à minha solidão. Lavaria em cada manhã esta solidão na beleza natural que há de ser Deus. Até que minha solidão se tornasse branca. No mosteiro onde agora eu estava – casa de Nyx. Pressenti no primeiro café da manhã que era um rito: tarefas divididas. Pressenti que a minha busca pela paz seria solitária. Aliviada por ter encontrado um lugar para me encontrar que não fosse uma clínica de loucos ou uma igreja destas que querem produzir santos às dúzias.

Pensei nas pessoas que neste instante estavam na granítica selva de edifícios, longe das pássaros, com os pulmões saturados de fumaça, e tive pena. Tive pena de mim, tomada de absurda saudade da mãe. Olhos marejados diante da horta: tinha chicória. Eu não via chicória há muitos anos e reconheceria se visse dali a milênios. Revi as mãos da mãe a segurar o maço da hortaliça salpicada da manhã orvalhada. Ajoelhei ao lado do canteiro e chorei um rio. Chicória temperada com lágrimas, arroz integral, queijo tofu. Almoço zen. O silêncio da tarde lendo na varanda passou outra mão de tinta clara na minha solidão cinza... Um dia ela seria branca como aquela nuvem.

Bárbara Lia
Constelação de Ossos (ed. Vidráguas / 2010)
(fragmento)




La nave va...

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