Saturday, April 07, 2007

REBECCA LOISE





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Rebecca Loise - uma menina que escreve
feito gente grande, amiga de mi alma,
estrela.




O JOVEM DE UM PULMÃO SÓ


Passos curtos e lentos e a sensação de cansaço. Calculou uns três passos para chegar até a parede de pedras e inspirou um mesmo ar acompanhando o ponteiro dos segundos do relógio até dar um minuto: precisava de fôlego. A idéia de morrer na tentativa de subir um muro de pedras nasceu e morreu cinco vezes enquanto fazia todo o esforço dos mundos na escalada. Lá de cima, lembrou do Muro das Lamentações – que circundava o templo de Herodes, na antiga cidade de Jerusalém –, e teve vontade de fazer preces. Mas antes: um cigarro para ver se o medo de altura se esvaía junta à fumaça.
Que pudesse existir no dia 16 de Junho de 1904 nem que por três minutos no livro “Ulisses” foi a sua primeira súplica. Sabia que pedir para ser Leopold Bloom, o anti-herói do livro de Joyce, não era para ele - o jovem de um pulmão só. E agora cogitava sobre se nasceu com dois pulmões ou se perdeu um deles vivendo demais. Aproveitou para culpar o vazio no peito pela ausência de pulmão. E antes que pudesse ocupar sua mente pensando em outra prece, começou a sentir dores. Dores! Dores!
Contorcia-se como conseguia no espaço que mal cabia seu traseiro. Por se desequilibrar em meio às pedras, lembrou-se de que o vento era o único apoio do seu tronco e reuniu todas as dores na sua pupila dilatada num susto. A imagem estranha do seu corpo morto caído no chão se pintou duas vezes enquanto procurava sentir a dor até a última fisgada. Não sabia de onde vinham aquelas dores e lembrava de como a dor do vazio no peito era menor. Rogou uma coragem maior, ou simplesmente: coragem para apagar o cigarro no seu próprio olho. Talvez sendo cego fosse mais feliz, ou menos triste, porque uma sensação iria embora e a respiração tornar-se-ia mais fácil, ou menos complicada.
Engraçado foi o sorriso que apareceu na boca dele só de ele imaginar numa dor feito cócegas. E as cócegas fizeram-no lembrar dos dedos dela na barriga dele, depois nas costas, depois nos cabelos compridos dele, depois lembrou da boca dela no pescoço dele, depois ela rindo da cara de bobo dele, depois ela dormindo nua, mas delicada, depois ele se esquecendo num sono que bem podia ser a morte.
Ela roubou o último pensamento dele – morto, caído, corpo – e devolveu o castanho das pupilas antes dilatadas e mergulhadas num quase preto total. Imaginar o som da voz da menina dele também doía, mas era como sentir a saudade da primavera estando no inverno; ele achava bonito. O corpo estremecia e o coração se preparava para congelar quando um vento gélido veio acariciar suas costas. Riu um riso tremido e se sentiu menos só quando viu alguém atravessando em trocas rápidas de pernas a rua à sua frente. Acabou o riso em menos de dois segundos por sentir inveja daquele alguém que parecia ser feito de um começo certo e que parecia ter uma direção. Mais dores por ainda não ter se acostumado com a felicidade efêmera! Por muito pouco não pulou do muro para seguir o mesmo rumo: recordou-se da sua incapacidade de acompanhar os passos desesperados do alguém. Não que ele não fosse desesperado, ele era - e muito -, aliás, ele era o próprio desespero, mas era também o jovem de um pulmão só e isso lhe tirava o poder de caminhar feito os alguéns de começo certo e com destino.
Acendeu outro cigarro para ver, ainda, se o medo de altura fosse embora com a fumaça.
O pensamento a esmo fisgou sua mente quando a brasa do filtro do cigarro fez queimar seu dedo. Ele sempre se esquecia. Arriscar-se a lembrar do pensamento que o fazia morrer por algumas estações era como perseguir o sopro da sua menina no pescoço dele, num quarto escuro – inútil.
O-so-pro-da-me-ni-na-no-pes-co-ço-de-le. Ah! Agora o riso ganhou temperatura e ele desatou a gargalhar. Era a segunda vez que lembrava dela na noite e a terceira vez que se lembrava dela desde quando a deixou dormindo na poltrona do cinema, na última sessão de anteontem. O medo de estar amando era pior que o medo de altura: cigarro nenhum disfarçava. Ele achava graça porque era uma sensação de ter alguém dentro, como se quase completasse o lugar vazio no peito. Era estranhamente bonito ouvir o riso dele mergulhando a imaginação nela, em toda ela. Mas o ver gargalhando era pavoroso: havia um terror na face. Talvez ele tivesse medo, também, de não sentir mais as dores. Ele não saberia se ser sem elas.
Felicidade efêmera de novo e de novo: o medo de amar se fundiu com o medo de nunca mais a ver e o riso se apagou, perdendo o desenho do corpo dela. Dores! Dores! E, mais do que sempre, sentia o frio, a falta de apoio das costas e a vontade de existir no dia 16 de Junho de 1904 do livro de Joyce.


REBECCA LOISE


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