Wednesday, April 08, 2009

Cem primaveras de Bandini

(...)

e eu observava Camilla dançando com a bandeja. Seus cabelos eram tão negros, tão profundos e cacheados, como uvas escondendo seu pescoço. Era um local sagrado, este bar. Tudo aqui era santificado, as cadeiras, as mesas, aquele trapo em sua mão, aquela serragem sob seus pés. Era uma princesa maia e este era o seu castelo. Observei os huaraches maltrapilhos deslizarem no chão, e eu queria aqueles huaraches.

Gostaria de segurá-los contra o peito quando adormecesse. Gostaria de segurá-los e respirar seu odor.

Página 42

Pergunte ao Pó – John Fante

Tradução: Roberto Muggiati

Editora José Olympio Ltda


Pergunte ao Pó sacudiu-me inteira. O Mojave a garota e o cão. A cena onde Camilla ri das poesias de Bandini enquanto ele espia pela janela do café. Aquelas sandálias rotas - huaraches - o ponto frágil, altar puído que faz a deusa maia descer do pedestal. Fetiche para os dias meus aquelas sandálias.
Do que vivi eu sei da doçura de Fante - o mel ardente de sua alma italiana. Como li em uma matéria do tradutor do livro - Roberto Muggiati - para a Gazeta do Povo. O depoimento de Joyce, a esposa de Fante:
"Havia algo em John. Não conseguia sentir raiva dele. Quando olhava no seu rosto, eu me derretia.”
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=874146&tit=O-escritor-que-saiu-do-po

...
08 de abril, cem anos do nascimento de John Fante. Um dos escritores da mínima galeria dos meus ícones. Um dos que me levou a caminhar por Bunker Hill e me atirou em uma viagem sem volta pelo deserto, um cão e a eternidade pela frente.
.

Deixa-me calçar-te
como se fosses

as rotas sandálias

de la niña de Fante


(para nunca mais sonhar

que ando descalça

nas noites)
(...)

Andar descalça nas noites... A imagem do encontro de Bandini e Camilla invade-me vez por outra como tempestade de areia... O real fatigado e suado e dopado mareado e colado a mim como fiapo de felicidade que a gente carrega, o amor ânsia divina. Vejo Bandini fugir pela janela. Vejo-o amar a garota e amparar a garota e curar seu corpo e alma enamorado de outrem e andar com um exemplar de uma única revista onde o DNA da alma transita e se fixa em eternidade na ficção, na realidade. A realidade nua despida das cartilhas do comportamento ilhada em cafés cabanas praias e desertos é o que nos eleva do pó, pergunte ao pó... Cem primaveras de Bandini à nossa espera.
John Fante
(1909-1983)

La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...