Wednesday, April 04, 2012




Para Camille, Com Uma Flor De Pedra

Em seu artesanal, delicadamente amarrado com fita de cetim laranja, recebi "Para Camille, Com Uma Flor De Pedra", esculpido pelos dedos hábeis de Bárbara Lia, querida escritora paranaense, das que honram o solo fértil e abençoado, barro que enlameia de emoção, quais as estátuas de Camille e Rodin.
A flor de pedra de Camille é branca, o solo pisado é duro, marmóreo, esculpido em cinzel de prata, em ágeis pinceladas no teclado moderno, contemporizando com o rústico - liso e firme das estátuas em tenro amor-paixão dançando nos olhos vítreos e catalogados azuis de Camille pela ótica não menos carmim de Bárbara Lia.
Camille em francês, Bárbara em português. Distintas línguas, mesma linguagem do amor, da dor, da alma transfigurada em poesia. Assim se apresenta nossa poeta maior: Com Uma Flor de Pedra Para Camille e lia em seu rosto qual performance de Rodin a copiar o sereno das mãos feminis em seus arquétipos e ideais.
Na progressão da obra, Bárbara Lia narra o sofrimento de Camille, uma obra com início, meio e fim. Narrativa poética trágica. Uma estética, uma arte revelando outra arte. A dramaturgia. Um sentimento desvelando tantos outros em pequenos textos ajeitados nas poucas páginas, como perfume francês, menores frascos, melhores fragrâncias e estas são com notas florais, ornando mármores e barros, gentilmente, trabalhados e talhados por mãos de vontade de amor.
Passeando pelos jardins, Sakountala, Rua Notre-Dame-des-Champs, L'Implorante, L'âge Mür (não podem faltar rosas), Hamadryade I com "guirlandas de nenúfares", Hamadryade II "rio petrificado e Danaê alva no ateliê escuro", Le Dieu envolé com todas as pedras talhadas "ignorando o burburinho e voando na sombra" levando almas até Nióbide blésse com o cio insuportável dos felinos, os loucos acordam suas almas sentidas e acenam à Latona, a Deusa da noite clara, num clamor tardio, era tarde, o líquido vermelho escorregadio levou o amor a desaguar em cinzas nos jardins de Ville – Èvrard, nada a fazer, os lençóis de seda se evaporam e o olhar vazio se perde no vácuo dos dias, esperando a Senhora da Noite, levar com pugência seu parto, sua dor, o amor não acabado e vilipendiado pelo egoísmo do amante, que não tinha pés nem mãos, Camille era suas mãos é pés, seu caminho, por isso temia, por isso aniquilava. O horror da superação foi maior, neste instante, mas o verdadeiro se instala pela História e segue nas letras dos poetas sinceros da arte do amor esculpido em tenras folhas amarradas pelos cetins, que a pedra imberbe não corta, respeita e se encolhe. Pois pedras são areias escorrendo pelas mãos, quanto mais seguras, mais escorrem e não morrem, formam o uno indivisível neste deserto de frio de vento forte em ventre vazio.
Com Uma Flor de Pedra. Damos à Camille, neste instante, toda flor e perfume, na maciez da seda, novo amor, novo lume. Mulher solidária, amante da arte, está frente ao tempo ido e louvamos Camille, estorvamos espinhos, acenamos às rosas e passeamos pelos jardins de Ville-Évrard, calmamente, loucamente amando e criando fantasias, através do amor humano e real. Bárbara, só temos a agradecer, por ter suscitado esta história, para que a pudéssemos reviver, em outras esferas, outras eras, com mais pudor, mais alvorecer, mais luz e lume a aquecer os corações partidos, que se agigantam fugindo dos redemoinhos do egoísmo ancestral. Podemos passear pelos cenários, podemos interagir e sentir podemos, antes de tudo, partilhar.
Bárbara mergulhou nas ondas de Camille (The Wave - 1897) e trouxe nas bordas das marés textos rebordados, estranhamente buscados no fundo d'alma.

Professora Kátia Torres Negrisoli – Adamantina (SP)



Sakountala
 
 
Cinzel de prata esculpindo pés
Cada fagulha vermelha
um fio de cabelo do amor

Cinzel de prata treme
acende astros
de um azul escuro
em meu olhar algodão.

Rodin!
Rodin!

Tantos pés teci
em mármore angustiado
-trilha de pés moldados-

esquerdo / direito
esquerdo / direito
esquerdo / direito
esquerdo / direito

Tantos pés
emprestei-te
para ter-te assim
ajoelhado
enlaçado
abismado
abandonado

Augusto espectro
de fogo
onde queima
a aurora

Sei!
Tudo isto
é mármore!


Antes
foi carne
vermelho abandono
amor petrificado

Antes do fim
às margens
do Rio Loire
nossa carne carmim
foi mármore.

Bárbara Lia
Para Camille, com uma flor de pedra
21 gramas - inventário poético by Bárbara Lia
texto de apresentação Kátia Torres Negrisoli
desenho da capa: Brenda Santos - http://oscaprichosdemaria.blogspot.com.br/

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