(Prefácio que escrevi para o livro - A Barca de Rá - Poemas da Travessia dos Personagens Mortos pelo Portais das 12 Hora - Isabel Furini)
link para leitura do livro: clicar aqui neste link para ler A Barca de Rá
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O sonho do homem é permanecer. Para isto gera filhos, planta árvores,
realiza projetos e busca, de várias maneiras, imprimir seu nome no
mundo de forma pétrea. Algo que nada lave, apague, queime, desintegre.
Algumas edificações atravessam Milênios. As civilizações imprimem
conhecimentos que gerações futuras replicam. Em cada nome que se
perpetua um feito de galhardia, de ciência, de conquista. Alguns também
se perpetuam por iniquidades, como Jack o estripador, do qual nem
sabemos o real nome. Sabemos que existiu e foi feroz. O escritor é o que
se eterniza por traz de máscaras, com muitos nomes, a caminhar por
muitas cidades e a sentir de várias formas o rio da vida em suas veias. O
escritor é o que cria uma realidade metafísica que migra para o papel
como fato e tudo isto acaba por ser eternizado mais que o criador. O
mistério da Arte imprime esta flor de fogo nas entrelinhas e permite que
um mortal comum, por vezes calado e tímido, se torne eterno. Nem
sempre o autor é afeito a arroubos como quem ele cria. Ficam os enredos
a guiar corações em êxtase, que leva a um momento inacreditável, onde
a respiração se faz opressa e, dentro de nós esta incredibilidade: como
alguém conseguiu escrever algo tão lindo!
O texto que inicia esta apresentação é minha forma de dizer que, para
alguns, os personagens dos livros são tão sagrados que acabam
confundidos com as coisas do dia, da vida e não são colocados como algo
apartado da vida materializada. O escritor é o mago que consegue
derrubar uma fina parede entre os mundos. Para os leitores estes
personagens são tão reais como o vizinho que nos chateia com os
barulhos na madrugada, ou a mulher que nos saúda no supermercado.
O livro A BARCA DE RÁ - POEMAS DA TRAVESSIA DOS PERSONAGENS
MORTOS PELOS PORTAIS DAS 12 HORAS adentra um universo fictício para
plasmar um mundo onde personagens de livros se encontram em uma
barca em uma travessia rumo ao mundo dos mortos. É possível que este
mundo antigo te engula e entres em uma espiral de mitos e símbolos. É
uma viagem sonora, lavada em imagens, onde a angústia, o êxtase e o
medo te tocam e tudo conclama a pensar nesta possibilidade, de que
nossos maiores ícones da Literatura acabem por morrer nas veias de um
tempo (presente) onde a vida se resume a likes na rede social, a
encontros cibernéticos lavados em puro ego, palavra que evaporam ao
acabar de ser proferida. Estas coisas deste tempo – líquido - segundo
Baumann. Fica esta angústia de que consigam roubar a eternidade da
Eternidade, de tudo que o mundo calcificou em matéria de Arte impressa
nos livros. No instante seguinte, um pensamento consolador a garantir
que desde que o mundo é mundo, os leitores se perpetuaram à margem
dos modismos, convenções, etc. E o pensamento consolador dilui no ar
uma barca plasmada, onde personagens atravessam portais para a
morte.
O livro traz uma narrativa lírica, com direito ao coro, à moda do Teatro
grego, o que traz uma aura de gravidade aos acontecimentos. A autora
dá voz aos personagens canônicos e atira uma chuva de interrogações
sobre a gênese de um livro, sobre o papel do autor: esta eterna dúvida se
é ele que imprime força aos personagens, ou são os personagens que se
impõem advindos deste espaço misterioso chamado – criação. Nesta
barca, a autora veste a pele dos personagens em discursos vários: Dom
Quixote fala de lutas e Úrsula de Cem Anos de Solidão, espanta-se por ser
ficção dentro da ficção. As fala das inúmeras personalidades ecoam em
uma barca impossível, plasmada para debater o mistério da criação e da
criatura no universo da Literatura. A eternidade - ou não - dos que
habitam este universo paralelo do imaginário. Resta ao coro deixar no ar
a pergunta:
"e se os humanos
fossemos apenas
personagens exilados
de um livro virtual
construído no passado?"
"e se os humanos
fossemos apenas
personagens exilados
de um livro virtual
construído no passado?"
Bárbara Lia é poeta e romancista.