A liturgia da louça.
O momento ficou imantado por uma aura sagrada. Aquilo que detestas transmuda com o barulho cadenciado de uma torneira mal aberta que te embala com um som de água arrancada que sai à revelia e canta como era o canto dos escravos, algo melódico e triste. E você lembra Maryam Mirzakhani a moça bonita que morreu de câncer aos quarenta anos depois de arrebatar a Medalha Fields - O prêmio maior de Matemática. E seus olhos marejaram diante daquele rosto que esconde o futuro, aquele olhar de quem sabe. Já não importa se a tarefa é sempre fardo, ela vira uma liturgia.
Câncer nos seios é esta chaga que sempre acossa pessoas que amo e as derrota. Dor de ver a feminina flor aritmética partir. Rasgo em tiras minha rebeldia e me ponho a amar o cotidiano simples e penso naquelas estratégias adolescentes, de promessas e trocas e pedidos. Opto por amar o que antes me irritava, sem pedir nada em troca, como um tributo a quem não pode mais ouvir o som da água na pia pela manhã, a dança dos pratos entre os dedos, a espuma de detergente, o roçar dos lábios do filho que sai para a rotina enquanto o céu azul pálido lá fora lambe a vidraça.
Vou criar uma menina linda em um livro que teço. Ela será Maryam e terá estes cabelos curtos e estes olhos grandes de quem enxerga equações nas estrelas. Adeus Maryam... E ao te dar adeus abro uma página onde diz que você queria ser escritora quando era menina... E isto me aproxima um pouco da mente que dançou entre dois momentos: números oup palavras. Nossa mente matemática. Isso me dá a certeza de que vou mesmo criar uma menina-você como homenagem, fique em paz e obrigada.
Câncer nos seios é esta chaga que sempre acossa pessoas que amo e as derrota. Dor de ver a feminina flor aritmética partir. Rasgo em tiras minha rebeldia e me ponho a amar o cotidiano simples e penso naquelas estratégias adolescentes, de promessas e trocas e pedidos. Opto por amar o que antes me irritava, sem pedir nada em troca, como um tributo a quem não pode mais ouvir o som da água na pia pela manhã, a dança dos pratos entre os dedos, a espuma de detergente, o roçar dos lábios do filho que sai para a rotina enquanto o céu azul pálido lá fora lambe a vidraça.
Vou criar uma menina linda em um livro que teço. Ela será Maryam e terá estes cabelos curtos e estes olhos grandes de quem enxerga equações nas estrelas. Adeus Maryam... E ao te dar adeus abro uma página onde diz que você queria ser escritora quando era menina... E isto me aproxima um pouco da mente que dançou entre dois momentos: números oup palavras. Nossa mente matemática. Isso me dá a certeza de que vou mesmo criar uma menina-você como homenagem, fique em paz e obrigada.