Monday, May 29, 2006

deserto metafísico














Sebastião Salgado
refugiados do campo de Korem,
Etiópia, 1984


DESERTO METAFÍSICO


Tenho sido estrangeira na vida,
refugiada em um mundo áspero de
versos rasgados ao vento.
Sei o quanto arde voltar dez passos,
olhar para trás e ver apenas -
o vazio.

Vaso amputado do jardim,
posso ver com olhos de areia
e ter certeza...
Mais belos os cadáveres ambulantes:
o opaco semblante do menino morto
e do pai apático,
a mãe que volta
-como se voltam sempre as mulheres-
atrás da última esperança...

Mais belos e mais vivos que almas perdidas
no deserto metafísico do ódio
- os mortos vivos -
Refugiados do mundo da beleza
ateando fogo a oásis alheios

disseminando espinhos,
rindo em galhos retorcidos
- hárpias angustiadas -
Eu não os decifrarei nunca
pois não tenho a senha.
Em meus ossos está a senha
que abriria o coração dos tristes.
Eu não reconheço os tristes -
a água de canela venenosa
que me dão de beber,
seus cantos de salmos ao avesso
tramando meu fim, e eu ali
sorrindo de peito aberto.
Morrerei acreditando
como a mulher que se volta no deserto
à espera do milagre.
A dizer pedra quando for pedra
e nuvem quando for nuvem.
Morrerei com aquele olhar de espanto
de quem não acredita até o último instante
que foi atraiçoada pelos tristes.
Se o menino morto abrisse os olhos
Eu lhe diria que ele é mais vivo
que os mortos vivos manipuladores de vidas.
Do deserto de suas almas ressequidas
brotam abutres invencíveis
que comem minha carne até os ossos
e lêem a minha senha escondida.

BÁRBARA LIA

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