
Mia Couto
Horário do fim
morre-se nada
quando chega a vez
é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos
morre-se tudo
quando não é o justo momento
e não é nunca
esse momento
Fevereiro 1984
MIA COUTO
Raiz de Orvalho e Outros Poemas
(Ed. Caminho - 3ª ed.)
Aforismo
Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.
Estávamos iguais
com duas diferenças:
Não era interrogada
e por descuido podiam pisá-la.
Mas aos dois intencionalmente
podiam pôr-nos de rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.
JOSÉ CRAVEIRINHA
Presença
Sou dos que ainda estão presentes
e bebem do amor a única ausência.
Quantos pedaços de mentiras
retenho na viscosidade do meu cuspo?
Quantas verdades apaixonadas
reclamam ansiosas o esperma das palavras?
Nenhumas, talvez, nenhumas...
escravizo o silêncio
e faço dele o meu mensageiro.
Estou presente em tudo ou mais
e aí onde me procurarem
será a minha próxima ausência.
HÉLDER MUTEIA