Friday, August 15, 2008

"Quando os dias e os sonhos mudarem"













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Mahmoud Darwich está morto. Entristeceu minha noite o e-mail do icarabe com a notícia. Ele morreu no dia 09 de agosto, mas, só soube ontem à noite, depois de ver a lua me chamando pela fresta da cortina. Tão clara. Farol inquieto a me chamar antes de desaparecer atrás do prédio. Talvez, como uma despedida, ou um alento. Então, fui ler os emails e fiquei triste.
Li os detalhes sobre a morte. Na mesa de cirurgia em Houston enquanto se submetia à uma cirurgia do coração. 67 anos.
Quando aguçou o meu desejo de descobrir mais sobre o mundo árabe esta busca me levou aos poemas de Darwich. Precisava saber o que um poeta dizia sobre a Palestina. Encontrei poucas poesias e com elas uma alma cintilada que me abria os campos das oliveiras e os laranjais de Beit Hannon, uma nova faceta que a televisão não mostrava, considerando o 11 de setembro. Era uma visão distorcida dos povos árabes, notadamente os da Palestina e Afeganistão. Em 2004 conheci de uma forma mais plena os passos deste menino...
(Mahmoud Darwich - 1942-2008): Nasceu na aldeia de Al-Birué, que não mais existe. Em 1948 durante a primeira guerra Árabe-Israelense a família de Mahmoud seguiu a rota do exílio e se refugiou no Líbano. Esta saída da pequena aldeia marcou a vida do menino que ao perguntar ao pai – Porque deixastes o cavalo sozinho? Ouviu do pai como resposta: que ao menos teria um ser vivo à espera. Este é o título de um poema de Darwich, e também de um de seus livros. Quando depois de um ano a família decidiu voltar para a casa não havia mais a aldeia de Al-Birué. No documentário que vi, um campo de grama e mata baixa, o repórter mostrou o poço que ficava ao lado da casa, totalmente varrida da cena, e a mesa de pedra onde ele se sentava nas tardes com a família. Mahmoud é um dos maiores poetas de língua árabe.
O seu poema Carteira de Identidade é uma espécie de hino que os palestinos sabem de cor, ele escreveu quando foi interrogado na prisão de San Juan Arca. Mahmoud amou uma judia, e o fragmento da poesia que segue encontrei em espanhol em um site, e traduzi. Quando fiz o curso sobre identidade árabe na UFPR, que era parte do curso de Psicologia, vi dois documentários em torno de Darwich, um que relatava a sua vida, e o outro - escritores sem fronteiras - que gerou um texto - A rosa desmoronada.
Junto com o escritor Edward Said, Mahmoud Darwich escreveu a constituição da Palestina. Mahmoud Darwich morreu sem ver os dias e os sonhos mudarem na Palestina. Mas, foi a voz de cada menino que sonha correr livre e ter um lugar, sem abandonar seus cavalos, seus sonhos, sua pátria e sua identidade...
...
fragmentos de poesias de Mahmoud Darwich:
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.... Sete espigas bastam para a mesa do verão.
Sete espigas nas minhas mãos. E em cada espiga
um campo brota como campo de trigo. Meu pai
puxava a água do poço e dizia-lhe: Não seques. Pegava-me na mão
para que eu visse como eu crescia feito um agrião...
eu andava na beirada do poço: tenho duas luas
uma nas alturas
e outra a nadar na água... tenho duas luas
confiantes, como seus antepassados, no acerto.
...
- Uma nuvem na minha mão - fragmento da poesia que li no Recital de Poesia Árabe em apoio aos civís do Líbano em setembro de 2.006, com a seleção de textos e participação de Michel Sleiman... Safra Jubran traduziu.
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Encontrei a poesia Inverno de Rita em espanhol, tradução do árabe de Maria Luisa Prieto, reproduzo um fragmento que traduzi para o português:
...
Rita, retorna a meu corpo para que as agulhas
dos pinhos descansem um pouco em meu sangue abandonado.
Sempre que
abraço a torre de marfim, fogem de minhas mãos as pombas.
Ela diz: Regressarei quando os dias e os sonhos mudarem.
Rita. É longo este inverno e nós somos o que somos.
Não tome palavras para dizer
eu sou,
essa que vendo-te pendurado em uma cerca, abaixou-se junto a ti e vedou tuas feridas.
Com sua lágrima te lavou, antes de cobrir-te de açucenas,
e passastes entre as espadas de seus irmãos e a maldição de sua mãe.
Eu sou eu e ela.
Porém tu és tu?
...
*
Fragmento de - Carteira de Identidade -
.
Toma nota!
Sou árabe.
Número de identidade: 50 mil.
Número de filhos: oito
E o nono...chega no verão
E vais te irritar por isso?
[...]
.
Toma nota!
Sou árabe.
Sou nome sem sobrenome
Paciência sem fim
Num país que tudo que é
Ferve na urgência da fúria
Minhas raízes
Antecedem
O nascimento do tempo
O principio das eras
O cipreste da oliveira
A primeira das ervas
.
[...]
Toma nota!
Sou árabe.
Arrancaste as vinhas do meu avô
A terra que eu arava
Eu, os filhos, todos
Nada poupastes...
Para nós, para os netos
Só pedras, pois não
E o governo, o teu já fala, em tomá-las
Pois então
Toma nota!
No alto da primeira página
Não odeio ninguém
Não agrido ninguém
Ao sentir fome, porém,
Como a carne de quem me viola
Atenção...
cuidado...
Com minha fome...
com minha fúria!
...
*
A rosa desmoronada (Bárbara Lia)
mais sobre a morte de Darwich

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