Thursday, December 17, 2009

O filho da minha filha

Arthur. Meu neto. Nasce em janeiro. Arthur transformou minha vida em uma maratona. Anunciou sua chegada meio a um cenário de poesia e medo. Recordo que o grande medo da minha vida era não ter filhos. Quando marquei meu casamento um médico disse que ia ser complicado e quase impossível que eu fosse mãe. Citou as razões médicas esquecidas e enterradas quando minha primeira filha nasceu na semana que completei um ano de casada. O que eu temia era que a sequela da polio interferisse na maternidade de alguma forma. Isto não aconteceu. Vez por outra eu lembro a Jô. A Jô era uma garota baixinha, que tinha a lingua presa e muita vivacidade. Língua presa qual Clarice Lispector, mesmo que muitos ainda publiquem o tal sotaque. Clarice declarou naquela entrevista antológica. Ela tinha mesmo uma fala diferente, por causa da língua presa. Estava muito triste ao fim da vida, é claro. Os que praticam a escrita puramente pela escrita vão ser sempre os tristes. Os que olham e ficam impotentes e não vêem outra saída além de ficar tristes. A Jô com a sua fala pungente quase me convenceu a ir com ela para o convento. Era um verão. A rua deserta da cidade pequena, nossos corpos refrescados voltando do clube depois de passar as tardes na piscina. A paz dos vinte anos e o mundo inteiro - alameda aberta à nossa frente. Visitei a Jô uma vez no convento das Mercês, aqui em Curitiba. O que acontece é que eu queria ser mãe. Mais que tudo. Naquela época estava dividida entre ser Madre Tereza de Calcutá ou ser simplesmente mãe de alguém. Muitos anos passados guardo esta certeza de que ser mãe, de todos os sonhos, foi o mais cobiçado. Mas, tinhas delírios de ser santa. Hoje eu sei que não sou santa. Agradeço imensamente a Deus por isto. Por me livrar deste desejo de santidade e colocar em mim apenas o desejo de humanidade. Tahiana é a minha segunda filha. A mãe do meu primeiro neto - Arthur. Arthur anunciou sua chegada em um tempo estranho. Vivi alguns meses como quem vive dentro de um filme. O inverno chegando e com ele a primeira epidemia séria que esta cidade viveu. O medo que chegava através das notícias diárias. Nossa cidade tão famosa por suas estruturas fortes, por ser um modelo disto e daquilo, não passou pelo teste e perdeu de lavada para o vírus H1N1, muitos mortos e uma infinidade de pessoas infectadas. A gripe infectou muita gente em toda parte. Aqui o medo de que faltasse o tamiflu levou à uma saida perigosa ao controle excessivo. Passei dias e dias em casa com a menina grávida. Por ser comissária de voo ela entrou em licença especial. As tardes serenas tecendo o enxoval do Arthur em silêncio com ela nesta casa lembrava um paraíso perdido. O que eu temia era aquela avalanche que nada detinha. A contagem dos mortos, notícia que eu acompanhava aflita. No começo de agosto chegou a notícia. - Meu primo José Tadeu apanhou o vírus. Morreu. Nem deu tempo de saber que ele estava de hospital em hospital. Não deu tempo para o adeus. Aquilo chegou como uma onda gigantesca plantando com mais furor aquela certeza - O risco era real. Real a ponto de tocá-lo. Fiquei com saudades do tempo em que tive minhas filhas em uma cidade pequena sem nem ao menos sonhar com este tipo de coisa, sem temores desta espécie. Agora falta bem pouco para a chegada do menino. Vai ser logo na virada do ano, vai ser o primeiro acontecimento. Eu vou viver outra história. Eu vou escrever muitas histórias. Passamos pela fase do terror. Do bafo de um vírus além da porta. Eu que temia não poder ser mãe um dia, breve vou ter um neto. Isto me dá a certeza de que 2010 vai ser um ano especial. Em 2009 eu vi a morte ao lado. Senti profundamente duas perdas. Do poeta do Rio - Rodrigo Leão e do meu primo que atravessou etapas da minha vida ao meu lado. Tinha quase a minha idade e tinha uma bondade que não se nomina. É o ciclo da vida e do recomeço. Fico pensando no meu neto e na certeza que tenho - Não vou poder dizer pra ele assim de cara - Este mundo é uma merda, meu menino. As pessoas são péssimas na maioria das vezes. Cada vez que você amar prepare-se para pouco tempo depois retirar uma espada em brasa do seu coração. Endureça dentro pra suportar ver um terço da humanidade morrendo de fome. Não acredite em todo mundo nem em todos os discursos. Para ser bem sincera eu devia dizer tudo a ele antes que ele entrasse no jardim da infância. A redoma que colocaram ao meu redor fez de mim aquela rosa do pequeno príncipe. Sozinha em um planeta pequeno com muitos carneiros para me devorar e certamente nada vai me livrar disto. Se eu quiser demonstrar que amo este menino que vai se chamar Arthur terei que desencantá-lo quanto à uma infinidade de coisas. Vai sobrar bem pouco. Poucas coisas que fazem a vida ser esta coisa incrível e miraculosa. Estes pequenos segredos é que preciso guardar para ele. Isto que me faz ser feliz apesar de tudo. Talvez eu diga isto em um livro. Para que além das porradas do mundo ele consiga encontrar um mundo, uma rosa e muitas palavras capazes de regenerar por dentro. Este é o graal. Ainda estão procurando por ele.

La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...