Durante minha caminhada pela poesia eu encontrei poetas e autoras que eu lia no início do meu encanto por algo que não fosse os épicos que eu ouvia na minha casa. Emoção imensa em um encontro com Ana Miranda. Eu disse: Quando crescer quero ser Ana Miranda. Ela disse: Você é Bárbara Lia. Alguns anos antes ao pedir um autógrafo ela escreveu - Para Bárbara de olhos tão pristinos e tão doces. Uma alegria ouvir de Eunice Arruda e Renata Pallottini que elas liam meus poemas. Um susto. Uma sensação de que tudo o que se engoliu com o gosto cáustico se tornou doce. Para isto vivemos, como eu disse ontem a um belo homem: Isso é tudo que poetas desejam ouvir. Que se apaixonam por nossas palavras. Que, de alguma forma, tocamos o outro.
Há poucos dias encontrei-me com as - mulheres do meu círculo - pessoas que tornaram menos gélida a aura da cidade que é sempre congelante. Literalmente, ou não. Nossa noite no evento "Esbórnia Poética", quando o lançamento foi duplo, encontrei mulheres que escrevem e militam. Essa palavra (militar) criou asas da minha vida. A velhice e as doenças silenciosas precisam de reclusão e distanciamento. Mas eu sei que Francine Cruz e Edra Moraes militam diariamente para que os escritos não sejam esquecidos, para falar do que está sendo criado pelas Mulheres.
Foi linda a noite do lançamento no Wonka Bar, ao lado de Rebecca Loise e convidadas.
Conheci Rebecca no ano de 2006, eu a vi atravessar o pequeno porão do Wonka Bar e subir ao palco. Dezesseis anos ela tinha, e fiquei impressionada com sua escrita pungente. Enquanto ela viveu em Curitiba dividimos passeios e encontros em cafés. Amava quando ela abria seu caderno universitário e lia seus textos para mim. Francine e Edra encontrei - assim - relances e momentos onde coube um oi e um tchau. Mas no lançamento duplo no dia 25/10 elas subiram ao palco ao lado de algumas atrizes belas que Rebecca convidou para ler nossos poemas: Maria Amélia, Daiane Caldeira, Jaque Silva... Noite linda!
A Poesia segue, seguimos escrevendo e espalhando nossa essência de aço & flor.
Para que haja luz lá fora
À sacralidade da natureza nada estremece:
O canto do pássaro
O assombro da rosa fúcsia
O coração da natureza -
Pura matéria das estrelas
Nós somos enxertados
Pelo sopro de dois anjos
O anjo do bem - descido das alturas
O anjo do mal - que veio a galope do
desconhecido
Qual deles está amalgamado ao teu
ser?
Amor se reconhece no ato
O ódio é este infiltrado
Via fatos, pessoas, eventos
O ódio é multifacetado - enganoso
O amor é como um menino
Livre e nu
Correndo de peito aberto
Gosto das pessoas eletrizadas
São as que amam
As que odeiam são contidas
Escondem sob a pele a farpa
As pessoas que odeiam
Voltam-se para dentro de si
Feito criptas
As que amam saem ao luar
Ao vento, ao destino
Invejo pássaros, rosas, rios e vento
Por saber que a sacralidade da
natureza
Não é atingida pela onda
Esta que ora chega
Como chega a tantos lugares
De tempos em tempos
Esta que persegue e carimba
Segrega e mata
Quando encontrarem nossos ossos
Eles serão leves
Serão como somos hoje:
Sol, liberdade e Poesia
Ninguém saberá quem odiou
E quem foi odiado
A mesma ossatura humana
Sem distinção
O negro, a mulher livre,
O mendigo ou cada poeta
Nossa ossatura tal e qual
A dos que –hoje – se conclamam deuses
E dizem que são escolhidos
E acham que podem
Com seus dedos de ódio
Brincar de: “uni duni tê o escolhido foi você”
Virarão pó e ossos e igualdade
- Enfim -
Resta dobrar de encontro ao coração
O estrondo do mundo
Para caber no peito
O quão grande é
E foi tudo
A esplendorosa vida
A delicada vida
A orgástica vida
Esta que dançou em minha pele
Nadou no meu sangue
E espera, em paz, meio à natureza,
Que ignora a podridão
Lembrar o último beijo
O verso último que brotou ainda agora
Ter a certeza de que ainda faltam
séculos
Para que haja luz lá fora
Bárbara Lia
Carta ao Mundo
(edição da autora)
ENGORDEI O SOL NOTURNO
Às vezes eu ando meio noite
De tempos em ventos
ando meio dia
até quando o relógio
grita: — É meia-noite!
Dei de comer e beber
ao sol noturno
Assim como Cecília
deu de comer
aos pássaros
e deu de beber
à terra
A palavra tem
mais fome
e mais sede
do que alguém
que vive em carne
identidade e osso
Dei de comer
palavras para não
morrer feito gente
que morre sem alma
A íntima idade do tempo
eu alimento quanto mais
palavras eu como
Nem meia noite nem meio dia
às vezes ando meio sem chão
e caio de boca numa poesia
Rebecca Loise
Engordei o sol noturno
(Editora Urutau)
O link para o recital "Esbórnia Poética", no lançamento de Carta ao Mundo (Bárbara Lia) e Engordei o sol noturno (Rebecca Loise).
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