Sunday, November 15, 2009

Diante da janela, o roseiral

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Testamento enterrado

à sombra do roseiral:

Deixo meu violão

para a balconista da padaria.

A erva benta

para a velha do sobrado.

A chaleira

que chia Villa-Lobos

para Frei Gustavo,

que costura almas

nas manhãs de quarta.

O livro de poesia

de Augusto dos Anjos,

para o cobrador do expresso 022.





Assinado:
A menina dos olhos tristes.

Chico me chamava de Carolina,

mas era só um disfarce.

Sou eu a menina

que viu o tempo passar na janela,

sem ver.

Bárbara Lia
in O SAL DAS ROSAS

estante #29


Um simples atraso

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"Não canterei o riso que não rira
E que, se risse, ofertaria aos pobres"
Carlos Drummond de Andrade


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Cheguei atrasado para a festa da vida e da morte.
Cheguei em companhia de quem nem conhecia. Mas, mesmo assim, mesmo estando só, mesmo estando só de passagem, fizeram-me esperar à porta.
O riso, não celebrado, não aconteceu de novo.
E tudo ficou tão tarde. Desejei passear um pouco lá fora e acompanhar o cortejo das árvores.
Tranquei-me sujo com o mijo escuro da noite.
Tranquei-me com mil pássaros.
Tranquei-me com um pouco da própria carne entre os dentes.
Meu medo, enfim, por fim, sem riso celebrado, desencabulou-se e saiu de casa. Foi apanhar-me no meio da rua.
Bernardo Brayner
Exercício de Morrer
Editora LivroRápido, 2005

Thursday, November 12, 2009

Tia Coruja



- Esta gravação é da Homenagem a John Lennon, organizada pelo meu sobrinho Poeta Músico e Professor de História, no Teatro de Campo Mourão - no dia do aniversário do Lennon - 2008. Tia Coruja - e o vocalista é meu sobrinho - Lincoln D'Ávila Ferreira. Não tenho aqui o nome dos outros membros da Banda. Todo ano ele organiza uma homenagem a John Lennon.




God is a concept
By which we measure
Our pain
I'll say it again
God is a concept
By which we measure
Our pain

I don't believe in magic
I don't believe in I-Ching
I don't believe in Bible
I don't believe in tarot
I don't believe in Hitler
I don't believe in Jesus
I don't believe in Kennedy
I don't believe in Buddha
I don't believe in mantra
I don't believe in Gita
I don't believe in yoga
I don't believe in kings
I don't believe in Elvis
I don't believe in Zimmerman
I don't believe in Beatles
I just believe in me
Yoko and me
And that's reality

The dream is over
What can I say?
The dream is over
Yesterday
I was the dreamweaver
But now I'm reborn
I was the Walrus
But now I'm John
And so dear friends
You just have to carry on
The dream is over

Wednesday, November 04, 2009

Mulher na árvore

Meu conto Mulher na árvore obteve Menção Honrosa no Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio. A Comissão Julgadora foi constituída por Marina Colasanti, Miguel Sanches Neto e Flor de Maria Silva Duarte. 

ÍNULA NIÚLA

como abraçar um amigo em outra estrela?

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O copo quebrou
e não foi preciso mais nada
além da voz de Yma Sumac
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O copo quebrou
no agudo do passarinho
dentro dela
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O copo quebrou
e os cacos ficaram no chão
para algum faquir sorrir dor
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O copo quebrou
e toda criança sabe
que a boa água é a da bica
Rodrigo de Souza Leão

- saudades do Rodrigo que hoje estaria recebendo abraços e soprando as velinhas e escrevendo alguma poesia e ficando mais velho e espalhando ternura...

Monday, November 02, 2009

No caminho com Michel Sleiman

"No caminho com Michel Sleiman", uma entrevista com o poeta, foi publicado no site da jornalista Ana Lúcia Vasconcelos.
http://saldaterraluzdomundo.net/literatura_entrevista___.html

Também no Site Icarabe:

http://www.icarabe.org/CN02/entrevistas/entr_det.asp?id=69


Na foto estou com Michel logo após o Diwan - setembro de 2.006 - uma das noites mais geladas do ano.

Sunday, November 01, 2009

o drama dos imigrantes no rádio e na tela


Um professor universitário de Connecticut é mandado a Nova York para uma conferência e encontra um casal morando em seu apartamento: Tarek (Sleiman) e Zainab (Danai), imigrantes ilegais que tocam suas vidas, sublocando o apartamento dele. Walter (Richard Jennings) foi indicado ao Oscar por este papel. O professor que não sabe que algum esperto aluga seu apartamento enquanto ele leciona em outra cidade. O filme não cai em lugar comum, não força a barra e nos conduz para o interior da trama. Leveza e verdade, o silêncio de cada um e a demora em revelar nossos atos, como na vida. Jennings está maravilhoso no papel.
(Estes atores potentes que precisavam ser mais aproveitados como protagonistas. Não troco nenhuma beldade na tela por Marcia Gay Harden. A força dela enriquece os filmes, ela lembra Marsha Mason - A garota do Adeus)
Jennings abre a porta da sua vida austera para um casal que está de forma ilegal vivendo em seu país e recupera o - sentido de sua vida - volta à música que ele abandonou quando abandonou o piano e a recupera com o tambor sírio, instrumento que Tarek toca.

Este tema voltou ontem à baila, vi este filme há uns dez dias e ontem no Workshop de Dramaturgia com Chris Dolan e David Ian Neville, o David trouxe a gravação de um capítulo da novela que ele dirigiu lá na Escócia. Novela de Rádio - Broken English - Através de uma garota de 13 anos, cujo pai foi deportado para a Turquia. O capítulo que ouvimos ontem, relata a manhã em que os policiais chegaram e levaram toda a família para um desses centro de detenção onde ficam os imigrantes. Senti saudades das novelas do rádio. Das manhãs em que minha mãe ligava o rádio e todos precisavam ficar quietos no ambiente para que ela ouvisse sua novela. O Direito de Nascer contava a vida de um certo Albertinho Limonta, lá em Santiago - de Cuba. Vez por outra lembro a abertura de uma outra novela, que girava em torno de personagens do circo e cuja fala inicial ficou gravada, depois de uma música dramática circense o locutor dizia - Um facho de luz ilumina a plataforma, todos tem os olhos fixos nele...
Esta nostalgia de primavera, novela no rádio. Lembrar o lugar de onde viemos, o lugar que escolhemos, as escolhas que a vida nos traz, melhor que as nossas, com mais ternura, tecida por uma Mente Benigna, que existe, embora vez por outra - nas tempestades - parece estar adormecida. Na verdade o sopro do caos vem do bem, pra mudar as pessoas, sacudir sua inércia e mostrar onde está a música, os nossos pares, as nossas jóias, a nossa alma.


Thursday, October 29, 2009

Para Camille, com uma flor de pedra

Auguste Rodin



RUE NOTRE-DAME-DES-CHAMPS

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Rue Notre-Dame-des-Champs

Recordas?

Entre nós não foi apenas valsa

Como a que dancei com Debussy

E talhei em mármore.

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Não foi espanto e encanto

Meu olhar azul na onda

- Fuji ao fundo -

Terna reverência à Hokusai.

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Lampejo de esperança – nosso encontro -

Sem saber que em minha vaga

Ao tecer crianças prestes a um naufrágio

Reproduzia o meu destino trágico.

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Antes um plágio – roubar o barco

De Hokusai, não colocar-me aos pés da onda.

Mas, com minhas mãos pequenas

Esculpo apenas o que pulsa

Cão criança mulher amado.

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Rue Notre-Dame-des-Champs

Recordas?

A minha agonia

Que nem podia

Esperar o novo dia

Estar em tua porta

Deitar-me

Natureza morta

Para que me eternizasse

- Danaide.

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Rue Notre-Dame-des-Champs

Tua criança amorável eu era

Amiga feroz e soberana.

Dezoito anos, olhos de céu no dia da criação

Lábios sensuais em flor. Comecei a esculpir

– Pés, pés, pés...

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Sem saber que dentro

Da alma feminina e fera

Esculpia um coração de vidro

Sem imaginar que um dia os estilhaços

Ergueriam em onda fria

E me soterraria – VIVA!

Bárbara Lia


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Camille Claudel morreu em 19 de outubro de 1943, ao acaso passei alguns dias revendo estas poesias escritas há quase dois anos, com o título - Para Camille, com uma flor de pedra.

Uma mínima homenagem.



Tuesday, October 27, 2009

Constelação de Ossos

Pollock

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FÓSSEIS ROSAS PROFANADAS

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O ar raspando o sangue seco da alma.

Alma mutilada a minha.

Sangue incrustado em suas paredes desde a infância, algumas feridas já cicatrizadas.

Minha alma um painel de Pollock.

Nas partes não cicatrizadas a tinta escorria espessa.

Por muitas noites eu não dormia.

A cor que mais doía era o amarelo aflito, aquele amarelo gritante.

Não sei se algum dia vai esgotar o amarelo de Van Gogh.

Como se ele tivesse a chave secreta da desesperança, em forma de girassol.

O meu interior borrado, sangrado de cores ardia ao vento, o pulmão ardia ao respirar lufadas de ar puro entre medo e delírio.

Raul segue pela Estrada Graciosa, um caminho antigo calçado de pedras, onde abismos se abrem, onde um trem trafega, onde pássaros desnudam suas lágrimas.

Quatro passos necessários para aprumar o esqueleto.

As nuvens se ordenam atrás das bananeiras.

Olho o bangalô e sinto uma ternura de gênesis.

Projeto de éden, recanto de Nyx.

À entrada da varanda um tapete tecido em barbante azul cobalto.

As pedras da entrada são claras, justapostas formam um desenho branco assimétrico.

A varanda pequena adornada de bebedouros ao redor onde um beija-flor pousa, beija a água adocicada e se vai.

Uma rede da cor do trigo maduro.

Raul bate na porta, três toques, a porta está entreaberta.

Ela não está na casa, eu penso.

Silenciosa como um anjo, pousa das alturas ao nosso lado.

fragmento do romance - Constelação de Ossos - Bárbara Lia, 2009

La nave va...

Uma Entrevista na Revista Arte Cítrica n°3

  Na página 94 uma entrevista sobre minha vida de poeta na bela edição da Revista Arte Cítrica nº 3: https://drive.google.com/file/d/1PPTZT6...