Na infância carregamos o sol nas veias. O espanto diante das descobertas. Uma esperança, pois vivi em um tempo onde ainda não haviam enforcado a esperança na estátua da Liberdade. Caminhar pelas ruas da cidade onde passei a infância e recolher cada pequeno fragmento do que era. Como quem vai refazendo o mosaico. Conseguir recuperar a cidade de antes. Fotografo o último banco que restou daqueles bancos da praça. Cimento bruto moldado. Fechar os olhos é ouvir o canto das cigarras, é suspender a respiração atrás de uma árvore, é ver sua mãe e uma comadre conversando sob a luz fraca, enquanto as crianças brincam de pique-esconde. Cresci nesta cidade... Na Casa da Cultura entre as fotos antigas, fotografo uma que conta da inauguração do Cine Vera. Uma relíquia. O Cine Vera não mais existe. Passando pela avenida Raposo Tavares com minha amiga Sueli, entramos no Restaurante Karova, mesas espalhadas, balcões... O cine agora alimenta o corpo. Naquele tempo, alimentava minhas fantasias e ilusões e sonhos... É proibido entrar além por que estão construindo algo, e é muito bom. Fica aquela liberdade dos poetas de alterar a realidade, mas, mesmo sem alterar a realidade eu saio à rua com a impressão: se eu ultrapassasse aquela porta ouviria o som das crianças antes que abrisse a cortina e as cenas caíssem na tela.
BÁRBARA LIA EM PEABIRU