Algo a respirar nas casas naufragadas
Amar...
É
respirar em casas naufragadas
É
virar, subitamente, raro anfíbio
É
ser peixe estrela do mar arraia
É
uma canção de afundar navios
É
romance brutal de Almodóvar
Filmado
em cenário de T. Mallick
É
ser uma libélula acima do lodo
Âmbar
antigo cravado nos ossos
E
o amor é este visitante indócil
A
revirar alma, móveis interiores
Corte
rascante que – ao cicatrizar –
Deixa eternos traços de Pollock
Alegoria
cicatrizada, pura loucura
A
loucura, a loucura, a loucura...
Que
persigo como um cão ferido
E
já sei a curvatura do calcanhar
O
amor é todo não/dor que atiras
Lava
meu rosto em lágrimas de cal
Grão
de angústia, ária de flechas
É
sermos um único ser, qual o mito
Atados
pela cervical – eu quero ir
E
tu queres ir e, atados, eu não te
Levo
comigo e tu me paralisas –
Há
que vir um deus antigo, saído
De
– O Banquete – de Platão
Cortar
o que ata minha coluna
–
que me sustenta ferreamente –
À
coluna tua a desorientar passos
Depois
de livres, continuar atados
Não
mais de costas um ao outro
E
ao amor... Mas, frente a frente,
Boca
a boca, luz a luz, a caminhar
Entre
destroços de um navio soul
Ouvindo
canções em ritmo lerdo
Corpos
colados em ritmo violento
Para
recuperar o tempo, enganar
O
tempo, apagar o tempo, amar
Enquanto
é tempo, amar enquanto
Há
tempo
Bárbara Lia
poema que integrou a matéria - 7 poetas paranaenses - de Marleth Silva - G Ideias - edição impressa - dezembro 2014
ilustração de Rafa Camargo para um dos 3 sonetos publicados no Jornal Rascunho - da série diálogos com Fernando Pessoa:
O ano da morte de Ricardo Reis
Não cante o desprezo dos deuses, Ricardo
Não colha as flores mortas ao lado do Tejo
Os fardos humanos são apenas isto – Fardos
E os beijos sensuais são apenas isto – Beijos
Sou toda verão na alcova, acesa, à
tua espera
Estonteante mulher que levas a ver as flores
Enquanto os pássaros trinam alto – Neera!
Nada nos falta, mas, em ti brotam mil dores
Quando a morte te buscar, aquela que conheces
Voltarei aos prados colhendo as flores vivas
Tocarei a pele do planeta murmurando preces
Banquetearei na relva, as flores como convivas
Dói, Ricardo, saber que todos os campos serão meus
Ainda orvalhados de lágrimas dos belos olhos teus
Bárbara Lia
Revista Coyote n°10
Sonho:Aeroporto fantasma.
Espíritos de náufragos do Titanic.
Ku Klux Klan ateando fogo ao enforcado.
Seqüência horripilante:
A mulher sem olhos na cama,
entre lençóis úmidos de chuva.
Acordo com o bem-te-vi
na manhã de sol
na mesma paisagem.
BÁRBARA LIA
ontem choveu no fututo - número nada
Revista Etcetera - Travessa dos Editores