Wednesday, October 07, 2009

Constelação de Ossos

(...)


No embalo lento da rede ele contou sobre sua nova missão –

Viajar para a Espanha e fazer uma matéria sobre as mulheres do Brasil que seguem para lá e acabam trabalhando em boates e viram escravas do sexo.

Uma catarata abrupta de água gelada despencou em mim.

Como se meu passado fosse um cão perdigueiro que nunca vai perder as minhas pegadas.

Minhas mãos crispam e ele me olha de uma forma estranha.

Sinto desejo de repetir a frase.

A primeira frase que quase disse a ele quando da sua chegada.

Então, eu sou a Lyn, garota de programa.

Sou puta.

Mas, eu não era mais, eu não queria ser.

Ele era diferente de tudo e de todos que encontrei.

Heleno era um amante que eu dividia com minha vida de favores pagos para comerem minha carne, e eu nunca pensava que queria ser só de Heleno, que queria beijar só Heleno e que doía muito pensar Heleno perdido em outros braços.

Não.

Heleno era um caso. Igor era outro eu.

Sentia-me parte dele e as nossas mãos fundidas davam aquela sensação de continuidade – meu corpo continuava no seu corpo.

Meu silêncio fez com que ele me interrogasse com seus olhos lindos.

Sorri tentando apagar a lembrança de noites, corpos, gemidos.

Eu seguia tentando afogar os gemidos, cerrar as cortinas, fechar a porta de todos os quartos onde estive e cedi meu corpo e fui apenas carne porta-esperma perfume de juventude curvas boca de Afrodite cona de Lucrecia Bórgia dançarina do ventre gueixa.

Onde lavar-me para destruir cada digital na pele toda agonia de orgasmos que abriguei em troca de uma nota azul com uma garoupa estampada?

Igor tirou uma mecha de cabelo da minha testa.

– Só três semanas, Lyn.

(...)

Bárbara Lia

-fragmento de um romance inédito

La nave va...

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