palácio de gelo - São Petesburgo
O homem morto mais belo que vi, foi em uma fotografia, em um livro que lia, de poesias de Maiakóvski - Sierguei Iessiênin. Dormia, no hotel Inglaterra, com uma placidez na face que tocou a alma, não poderia estar atormentado, queria descansar, apenas. Não creio nos dogmas, mas, na liberdade, de quem deseja descansar. Descansava, com uma roupa de sua época, os cabelos de trigo, o rosto de beleza imensurável, eternizado em versos e beleza. Plena de Rússia e meninos belos, tirei da gaveta uma poesia antiga, escrita quando rebeldes chechenos invadiram o teatro... pensei em reescrever quando aconteceu o massacre em Beslan, mas, afinal, ainda não aprendi a tirar a pele materna para falar de meninos mortos, crianças martirizadas... Desligo a tv e não abro nem um e-mail que fale sobre o menino morto no Rio de Janeiro, não faço poesia com esta atrocidade, calo o nome, não olho a fotografia, a barbárie extremada não se resolve com leis, incisos, parágrafos...
OURO & AZULBárbara LiaA Rússia é feita de lágrimas.Tragédia regada à ópio.Sangra mais que nuvens de Moscoue o ouro azul das rosas.A Rússia sempre sangra, balalaika chorando.Girassóis por tanques esmagados.Botas regendo a cantata do impossível.Meninos mortos em submarinos submersos.Rasgo meu dedo no espinho da rosa,beijo a foto de Iessiênin morto,escrevo em sangue no pergaminho branco -"A Rússia não é vermelho-sangue,é ouro & azul"RÉQUIEM PARA UM MARINHEIRO
.No coração do coração da RússiaNo casebre de madeiraNo qual nasceu o poeta Sierguei IessiêninAté mesmo as tábuas do soalho cantamSob os passos pé ante pé das criançasUm canto mais delicado que o dos pássaros
Por quê?Porque no porão, sob o chão,O cordão umbilical de um poetaFoi soterrado.E onde quer que se encontrasse,Em Moscou ou Nova York,Seu cordão umbilical o puxavaPara casaPara os odores da lenha que secavaCrepitandoPara as canções das últimas tropasDa guarda nacional dos grilos russos.
Não é verdade que IessiêninSe enforcou em São Petersburgo.Foi seu cordão umbilical que o lacerouNo aperto do abraço.Seu cordão umbilicalO tinha ligado para sempreNão à morte tão esperada,Mas à sua amada Anna, ressurgida,Que uma vez o rejeitouQuando era jovem e vivo.E mais de meio século depoisJovens marinheiros russos cantaramSua canção: “Meu Ácer Desfolhado”Sob as águas do NorteNum submarino condenadoEngolindo desesperadamente as palavrasJunto com as últimas migalhas do ar de casa.O seu canto camponês veio à flor da águaSobre as ondas como sulcos de espumaDe um campo recém-arado.Por que aquelas ondas mataram os rapazesQue cantavam o canto de IessiêninSobre as notas de sua guitarra submarina?Adeus, meus “rodnìe”.Só em russo existeEssa expressão insondável:“compatriotas” ou “caríssimos”“mais sinceros”, “amados” e “queridos”.Não há segredos militares eternosHá somente um único segredo: a alma humana.Os discursos sobre a imortalidade dos heróisSão para as mães apenas palavras vazias.Como uma mãe poderia velarSeu filho sepultado num cemitérioTormentoso?E se hoje a Rússia inteira,Como o submarino ferido,Não pudesse mais sair à superfícieDo abismo,Seria ainda possível recuperar,Sepultado no solo ou nas águas russas,Como último recurso,Seu cordão umbilical?
Ievguêni Ievtuchenko(Poema em homenagem aos marinheiros do submarino russo Kursk, publicado no jornal “La Reppublica” e traduzido do italiano para o “EU&Cultura” do jornal “Valor”, em 2000)
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A Sierguéi Iessiênin
Maiakóvski
Partistes,
como dizem
para o outro mundo.
O vazio...
Estais
planando,
até o céu bordado de estrelas.
Chega de adiantamentos
e de pinga.
Sobriedade.
Não, Iessiênin
isto não é
zombaria.
Na minha garganta
nada de escárnio
mas uma bola de tristeza.
Eu vos vejo
com uma mão de cera hesitando
agitar
o saco
de vossos próprios ossos.
Parai,
deixai para trás!
Que idéia é essa
de derramar
no vosso rosto
este giz mortal?
Vós
que sabíeis escrever coisas
como ninguém
no mundo.
Por quê?
E como?
Derramam-se em hipóteses
Os críticos gaguejam:
“De quem é a culpa?
Muito a dizer...
mas sobretudo
lhe faltava ‘ligação’
O resultado?
Muita cerveja e vodca.”
Dizem
que vós deveríeis
ter trocado a boêmia
pela classe;
A classe vos teria influenciado,
fim das brigas.
Mas essa classe
a sua sede
ela a sacia com kvas?
A classe
ela também, para beber
entende um bocado.
Dizem
que se vos houvessem juntado
alguém de Sentinela
teríeis
feito
muitos progressos:
poderíeis
a cada dia
escrever
vossos cem versos,
chatos
e compridos
como Doronine.
Para mim
se este delírio
se tivesse realizado
vós teríeis
muito mais cedo
sobre vos mesmo se atacado.
Melhor
morrer de vodca
do que de tédio!
Nem a forca
nem a faca
nos darão a chave
desta perda.
Talvez
se tivesse havido tinta
no Hotel Inglaterra
o Senhor poderia ter evitado
de se cortarem as veias.
Os imitadores se alegram:
“Bis!”
Todo um pelotão
que faz
sobre si mesmo, justiça.
Por que
aumentar
o número dos suicídios?
Melhor seria
aumentar
a produção de tinta!
Para sempre
agora
esta língua
fica presa atrás destes dentes.
É duro
e deslocado
fazer mistérios.
O povo
aquele que cria a língua
perdeu
um de seus artesãos
farristas
e sonoros.
E trazem
as quinquilharias dos versos funerários
quase os mesmos
desde o último enterro.
Deveríamos dispersar
no féretro
com um cajado
estes versos inexpressivos.
É assim
que se homenageia
um poeta?
Ainda não vos
construíram um monumento;
onde estão os quilos de bronze
ou os gramas de granito?
que diante da grade da lembrança
já traga
mas bugigangas
das homenagens e dedicatórias.
O vosso nome
é colocado em lenços,
Sobinov
baba as vossas palavras
e sob uma árvore magrinha
ele agoniza:
“Nem mais uma palavra, meu amigo,
nem um suspi-i-i-ro”
Ah!
é de outra forma que deveríamos falar
a esta espécie
de Leonid Lohengrin!
Levantar-se
em fulminante escândalo,
– Eu não permito
que se mastigue
e se massacre
assim os versos!
Assobiar com os dedos
até deixá-los surdos
e mandá-los ao diabo!
Que fujam
esses detritos sem talento,
enchendo
as velas de seus paletós.
Que Kogan
levado em sua debandada
espete os transeuntes
com seu bigode.
A sacanagem
hoje em dia
ainda não ficou rara.
A tarefa é grande
mal bastamos
É preciso primeiro
refazer a vida,
uma vez refeita
poderemos cantá-la.
O nosso tempo, para a pena,
não é muito fácil.
Mas digam-me
os aleijados, os impotentes.
Onde
e quando
aqueles que são grandes
escolheram
os caminhos traçados e fáceis?
A palavra
é capitã
da força humana.
Para a frente, andemos
e que o tempo
estoure em bombas.
Que o vento que sopra
para os dias passados
só leve
mechas de cabelos misturados.
Para a alegria
o nosso planeta
ainda está mal preparado.
É preciso
extorquir
a alegria
aos dias futuros.
Nesta vida,
morrer não é difícil
Construir a vida
é bem mais difícil.
Fonte: Maiakóvski. 2006. Vida e poesia. SP, Martin Claret. Poema originalmente publicado em 1926.