
Thursday, December 27, 2007
A ÚLTIMA CHUVA DE 2007

NO CAMINHO COM MÁRCIO CLAUDINO

Essa é uma questão de duas faces, simples e complexa ao mesmo tempo. Eu gosto de pensá-la a partir de uma dicotomia entre a essência e a linguagem... nesse sentido eu acredito que existem poetas que nascem poetas e poetas que se fazem poetas, tendo essa essência latente ou não.
Por essência entendo algo que nasce com o poeta, uma qualidade nata do espírito, no poeta (é como o ponto de partida, o que alguns chamam de “talento” ou “dom”).
Por linguagem entendo aquilo que é adquirido ao longo do tempo, os recursos técnico-formais. As ferramentas concernentes ao uso da língua e a aquisição desses recursos fazem parte do aprimoramento do poeta; é a leitura, o estudo, a experiência da arte, a aplicação de um conhecimento de tudo o que envolve a experiência poética, desde as formas tradicionais até as formas de seu tempo. Assim, o poeta descobre os usos da língua e desenvolve habilidades de artesania pela utilização correta e variada das formas.
Mas a aplicação dessas técnicas é vazia se não existir em sua base o espírito essencial. Afinal, da essência brota a sensibilidade; a essência é o coração do poema e a linguagem é a sua consciência; a essência humaniza o poema, a linguagem o participa; há poetas que “se fazem”, “se tornam” poetas através da linguagem, porém só os nascidos com esse “dom”, esse signo, esse vírus, nascem poetas.
O poeta da essência é o “ser” a condição de poeta; o poeta da linguagem “está” na condição de poeta; mas se alguém pode “se condicionar” como poeta pelo uso refinado da linguagem e da forma, e disso resultar uma poesia pretensiosa e vazia, também o poeta que fica apenas na essência e não se aprimora na aquisição de linguagem, estaciona; como pretender transmitir de maneira bela por meio de lugares-comuns, imagens desgastadas, palavras literais? Por mais que a condição nata de poeta lhe seja peculiar ele esbarrará na falta de recursos que permitem que a sua criatividade seja ampliada. É a velha máxima de que “não é o que se diz, é como se diz”. Nesse sentido, “A POESIA É A FORMALIZAÇÃO DE UM SENTIMENTO; A QUESTÃO É FORMULAR ESSE SENTIMENTO DA MELHOR MANEIRA POSSÍVEL, A MAIS BELA”.
Qual é a resposta, qual é o melhor caminho a seguir então? A consonância das duas frentes. Juntar as partes, deixar que corram paralelas. Não deixar a essência morrer, renová-la com o processo da linguagem, do estudo; a essência abre o caminho para a linguagem, pois ela está ali, desde sempre, ainda que a poesia, às vezes pelo caminho inverso, seja “descoberta” através da linguagem, do estudo (o que considero mais raro); acredito que o poema se realiza plenamente quando é fruto do encontro da essência com a linguagem, quando no poeta se harmonizam o espírito apolíneo, o artífice, com o princípio da ess~encia, do gênio, o visionário, aquele do melhor devaneio, das zonas turbulentas do ser, do sonho e da vida.
Ou, dizendo isto de modo mais simples: quando se percebe na composição de um poema o trabalho lapidar que o poeta fez, o domínio da técnica aliada a um dizer intenso, vibrante, que toca o leitor na mente e no coração. A ausência de linguagem em um poeta de essência implica que o poeta possa VER as imagens autênticas, mas não saiba compô-las e expressá-las, projetando-as no papel; por outro lado, a ausência de essência num poeta mais inclinado à linguagem implica que o poeta seja menos privilegiado da visão de imagens originais e belas, mas consiga compor algo similar, artificial, que resultará, muitas vezes, em algo hermético ou em uma poesia “do acaso”, isto é, errática, que de repente acerta em um ou outro sentido por mera combinação de palavras, sem origem, sem um coração ou motor primário.
O risco para a poesia é que este poeta da linguagem ao servir-se desses recursos obstaculize o acesso à própria essência da poesia, á sua verdade, recobrindo em camadas de linguagem o núcleo essencial, fazendo com que a poesia perca a sua força vitalizadora, pelo mero encanto com sons, ritmos, experimentações lingüísticas e formais que configuram um produto tão hermeticamente construído pelo intelecto que esconde o que a poesia deve ter de regenerador.
2. Descobrindo seus pares (influências, feira do poeta, início...)
A poesia sempre me viveu como um conteúdo latente e isso eu descubro quando me remeto às impressões da infância, aos cantos escuros em que eu costumava me esconder para brincar, para cantar ou para chorar; então ela sempre existiu nas canções, nos filmes, nas pessoas, nos seres, na natureza, nos fatos e nas coisas. Quando eu era criança fazia versos de improviso para as tias em reuniões familiares de domingo. Essas primeiras manifestações poéticas pueris desapareceram completamente na adolescência, um período muito estranho da minha vida em que me sentia inapto para tudo, deslocado de tudo, sem saber como ser ou estar; isso fez com que eu me afastasse de tudo e de todos, me isolando; parei de estudar e me fechei completamente, morei em uma chácara; fazia pequenos serviços rurais como canteiros de hortaliças; conversava e convivia com pessoas muito simples, colonos da região; pescava e caçava; perto do lugar onde costumava pescar tem uma pequena igreja no alto de uma colina onde quando não estava a fim de nada eu ficava meditando; depois a poesia voltou com muita força a partir dos meus 20 anos, na década de 90; daí as primeira formas, os primeiros ensaios, as primeiras imitações do que eu achava que era poesia; surgiram os primeiros contatos com a cena local da poesia, as primeiras impressões do que é considerado cânone e a tradição e o frescor da poesia produzida nas últimas décadas, principalmente anos 70 e 80. Em 93 comecei a freqüentar a Feira do Poeta de Curitiba, da FCC, onde participei de algumas oficinas literárias e conheci o Adriano Smaniotto. Formamos um grupo de poetas, o Intervenção, do qual participavam minha irmã Patrícia “Pagu” Claudino, o Fernando Koproski, a Alessandra Kalko, o Diogo “corpo” Marques, a Tatiana Robaina e mais tarde o David Nadalini. Nos organizávamos por ali na feira, em torno do Marcos Sabóia e do Palito. O Marcos foi uma figura muito importante para nós na época, tipo assim um guru. O palito fez os primeiros livros do Adriano, do Fernando e do David. Poesia é da ordem xamânica. Conheci o poeta Rollo de Resende e apesar de nossos contatos rápidos ele foi um poeta que me influenciou pela carga vital de seus poemas e de sua própria condição de “ser” poeta nos gestos e atitudes. Também nessa época comecei a me corresponder intensamente com uma escritora e maga poderosa de São José dos Campos, a Josefina Neves Mello, que significou muito para mim, humana e literariamente. Uma coisa que eu prezo muito são as referências, a autenticidade das coisas. Eu não esqueço. Borges disse em sua última entrevista que os escritores são embusteiros (no sentido do fingir, da fabricação). Acredito que o fingimento é montado em cima de algo muito caro, muito autêntico ao escritor/poeta, o que lhe confere dignidade e verdade. Com o tempo você acaba vendo o que é verdadeiro, que o que vale mesmo “é isso que a gente é”, como costuma dizer o Adriano. Para mim, alguns escritores autênticos são Guimarães Rosa e Manoel de Barros, Henry Miller, Fante, Bukowsky, Hermann Hesse... porque promovem associações entre vida e arte; a gente vive a poesia. Algumas influências marcam para sempre. Seja pelo momento em que se deram, ou pelo impacto que causou o seu apêgo, fazem você sentir mais, ruminar a literatura, sonhar, manter-se vivo um pouco mais. O jogo entre vida e arte é um processo de atração e repulsão, as duas frentes são associáveis porém independentes também. Dos anos 90 para cá o meu percurso é o percurso de alguém que anda sem pressa e se distrai sempre no meio do caminho, o que causa algumas perdas e ganhos que resultam, é claro, em poesia. Foi assim que a poesia me levou a lugares que eu não poderia imaginar que realmente iria estar; alguns, de puro desolo moral, emocional; outros, gratificantes, abundantes;, ricos e inesquecíveis; não caberia aqui falar sobre isso; é o que chamo de experiência vital e que os beats tinham e que a meu modo eu tive; posso dizer que houve um trânsito pela marginalidade, sim, pelos baixos mundos e também por um circuito que podemos provisoriamente chamar de “pequeno burguês”, com suas cortesias, seu lado bon vivant, seus prazeres e suas angústias; por essa época experimentei o amor conjugal. E foi um aprendizado, um plano diferente, bom e doloroso ao mesmo tempo. Depois, aos 33 como Miller e Rimbaud eu vivi a minha “crucificação encarnada”, a via dolorosa da paixão; desse relacionamento de seis anos brotou uma fonte muito profícua de temas para poesia e ficção; hoje, quatro anos depois, sinto que isto tudo ainda está se desenvolvendo, o processo é sempre a posteriori. Para mim essa foi a experiência amorosa e vital mais importante. É a primeira vez que falo abertamente disso, mas essa experiência está no que escrevo, embutido, ainda que retrabalhado no plano lírico, onírico.
3. Fante, Bukowski, Miller, quem mais o terremotou?
Fante é singelo, terno, divertido. Miller é vital, apaixonante, profundamente humano, não te esconde nada do que é mais vil, baixo. Bukowski é a malandragem, a marginalia, rispidez, dureza. Para mim Miller veio primeiro, indicado pela Josie, depois fante e Buk quase simultaneamente, daqueles encontros que não são por acaso que a gente se defronta em uma livraria. Pergunte ao Pó, do Fante apareceu num momento crucial da minha vida em que muito se decidia. Li na praia, nesse momento de transição, no verão de 2003.
Mas acho que Miller é um escritor mais completo que Fante e Bukowski, multifacetado; ele transita por universos literários aparentemente mais complexos, estonteantes; seu narrador não é só o marginal como em Buk. Há uma preocupação maior com alinguagem. Li primeiro Trópico de Câncer, depois a trilogia Sexus, Plexus, Nexus – A Crucificação Encarnada. Bukowski é mais “fácil” de ler, acessível a qualquer um, alcança até o bebum mais celerado. É mais torrencial, flui melhor e mais diretamente, é mais rasgado. Miller e Fante pedem mais vagar em sua leitura, mas são igualmente transbordantes, não se quer parar de lê-los.
4. as musas e as medusas
Ambas são encantadoras e perigosas, mas podem ser papéis que se invertem, em pessoas e situações, dependendo do momento. Ambas são divinas e humanas demasiadamente. Já tive muitas medusas, hoje acho que diminuíram bastante. Ou aprendi a lidar com elas. Procuro mesmo é pelas musas. Mas não se escreve só com musas. Às vezes é até mais necessário que existam as medusas. O próprio mito (de Perseu) só é possível e tão propalado graças à existência do monstro como oponente. Minhas musas antigas tinham 13 a 17 anos. As medusas antigas mirraram suas cabeças com o tempo e aquelas musas
5. Os concursos, sua importância na vida do poeta
Penso que os concursos, programas de seleção e publicação como bolsas e prêmios de literatura são formas válidas de o poeta publicar e obter algum espaço e reconhecimento pelo seu trabalho. Nos concursos em que se participa incógnito, há o elemento surpresa, é uma forma mais democrática de se premiar, muito embora tenha muita importância a perspectiva de quem julga, o que torna o âmbito dos concursos um espaço limitado também, pois as preferências são inevitáveis e a atitude da banca no momento em que se discute a relevância dos trabalhos também é decisiva. É até possível um reconhecimento do trabalho premiado pelo estilo, o que predispõe a uma seleção prévia por afinidades eletivas. Não que haja um demérito nisso, mas fica cada vez mais evidente que os concursos dizem mais sobre quem julga do que sobre quem se submete ao seu crivo. Hoje existe uma profusão de concursos e bolsas e isto é muito bom e producente, já se pode ver nomes consagrados ao lado de novos talentos e existem muitos escritores e poetas bons despontando. Por outro lado, sinto que há uma preponderância acadêmica ou especializada (no bom e no mau sentido) na orientação de quem elege e contempla a literatura hoje. Aqui no Paraná e mais localizadamente em Curitiba, os concursos revelaram muita gente boa. Acredito que isso seja sintoma de uma produção bastante diversificada e significante. A poesia curitibana é sui generis, na minha opinião. Tem uma pegada e jeito próprios e é bem interessante investigar o que predispõe esta poesia, se há um perfil tipológico, psicológico, fenomenológico, histórico, social, climático, etc. são muitos os enfoques e abordagens possíveis. Tivemos por aqui, no início do século a passagem do movimento simbolista representado por poetas como Dario Velozo e Emiliano perneta; a cidade produziu (e foi produzida) por um Paulo Leminski, acha pouco? E tivemos e temos ainda muitos outros nomes, Dalton, Kolody, Cristóvão tezza, Rollo de Resende que pouca gente conheceu... alguns desses autores passaram pelo crivo de concursos. É o caso do Dalton, no Prêmio Paraná de contos e do Rollo no Helena Kolody de poesia, ambos da SEC. Para mim a experiência dos concursos foi muito importante. Eu pensava a composição de poemas em termos “antológicos” e isso me fez experimentar as formas e exigir mais da formulação de um poema, não sendo apenas o que se escreve num dado momento de inspiração. Fiz desde poemas epigramáticos, hai-cais, tankas até aos sonetos e poemas mais discursivos. Experimentei um estilo “sátiro” de fazer poesia e um estilo melancólico; um estilo solto e um estilo rebuscado; um estilo erótico e um estilo elevado; tudo isso para buscar uma voz, uma unidade. Um livro precisa de uma unidade e é diferente o que você vai sentir ao pegar um poema integrado dentro de um livro do autor, que pode ser mais fruto de uma experiência poética de expressão pessoal e humana, do que você vai sentir quando pegar um poema para julgar num concurso, quando a análise se baseia em critérios e não somente em gosto pessoal ou no poema ter tocado você. Nesse momento de avaliação o que se procura é um certo “padrão de qualidade”, olhado em uma perspectiva especial. Num outro momento, você descobre a leitura de um poema encantador, que você de repente não colocaria em uma antologia ou não premiaria, e é capaz de lhe tocar profundamente, mas a sua forma ou a sua “qualidade” na situação do concurso não o levaria ao primeiro lugar. Fora dali você o veria com outros olhos. Talvez por isso mesmo grandes autores que não participam de concursos não ganhariam esses mesmos prêmios se participassem. Por exemplo, um poema do Arnaldo Antunes, na imensa maioria dos concursos, dependeria de uma comissão julgadora afinada com a sua perspectiva poética, o que na maioria das vezes não acontece. Guimarães Rosa e Fernando Pessoa já foram segundos-lugares em concursos e de seus vencedores não se ouve falar. Um dia, na Feira do Poeta, folheava uma antologia com vários felizes zés e joões nos primeiros lugares e menções honrosas e lá estava, para minha surpresa, o Leminski, entre dezenas de classificados. Talvez, para ganhar, aquele poema dele não fosse da perspectiva “antológica” que se quer nos concursos. Então o concurso é um formato, também digno e importante em uma determinada perspectiva e contexto, mas dependente, parcial.
6. O sátiro se retirou para um canto escuro e chorou
7. Márcio Claudino por Márcio Claudino
alguém nel mezzo del cammin, que vive a poesia entre musas e medusas. Um homem que já teve das tristezas o tanto que é bom, mas teve também alegrias. Conheceu o amor e a queda. Um homem que hoje tenta a segunda metade do caminho...
MÁRCIO DAVIE CLAUDINO – Nasceu em Curitiba em 15 de agosto de 1.970. Venceu alguns dos mais importantes prêmos literários brasileiros. Formado em Letras pela UFPR. Lançou - O sátiro de retirou para um canto escuro e chorou (Imprensa Oficial do Pr, 2.007)
O SÁTIRO SE RETIROU PARA UM CANTO ESCURO E CHOROU
O prodígio, a festa
Havia rosas na chuva
sob o portão da nossa casa.
Cascas de arroz pelo chão,
calendários, sermões, letras mortas;
Editais pregados nas paredes,
recuerdos, datas e aniversários.
Agora a letra viva
aclama e canta em festa o dia da volta
pródiga, agradece
(Um lobo arisco se afasta
arrastando na boca um pedaço de crepúsculo;
contra o albedo da lua vidra o olho
refletido em cacos de vitrais).
EROS HÓRUS
Teu desejo em mim
beija-flor na axila
sol negro de públis revolto
seios amados nas auroras do sonho
e quanto éramos febre
na usura de amar
olhos abertos na cama
ficando cinzas ficando
às vezes albatroz
outras, revoadas de colibris
teu desejo em mim
úmida flor de enseada
e dorso sabendo
à pêra e trigo
dorso que só a sombro do meu tronco
soube cobrir de sol
AUSÊNCIA
Calcei os teus chinelos
tomei o teu banho
cantei a mesma canção
chorei à janela do alpendre
como choravas
regando as plantas
com o meu pranto
pela última vez.
Agora conto da penumbra
na vigília impotente
venho arrastando-me
pelo teu cheiro
de lavanda nos móveis
e por teus olhos em toda parte
(Ontem colhi violetas
e outras flores sem importância
tingir o meu dia, tanger um sentido
na célula branca da inconstância)
O SEGREDO DO SILÊNCIO
"Jogavam-se nas tumbas sementes de painço e papoula
para nutrir os mortos que chegavam voando - - pássaros".
(Czeslaw Milosz)
Não pises assim a minha relva.
Não a manches com os cabelos
nem sais amargos dos teus olhos.
Só pés de brisa enluarada
poderiam supor pisá-la.
Seja leve, delicado
e até breve.
Não ores, não estou ali.
Alguém tocou o sepulcro e lhe deu este nome?
Canteiro.
Alguém tocou o meu corpo e lhe deu outro nome?
Semente.
Plantado à cabeceira do canteiro com cruzes,
sou árvore.
Árvore!
Depois,
pássaros me disseram que serei pássaro.
Depois vento, depois nuvem
então anjo, o teu arcanjo.
(Arcanjo
te abençoarei
sim,
saberei quase todos os segredos)
MÁRCIO DAVIE CLAUDINO
Curitiba - PR
Friday, December 21, 2007
NO CAMINHO COM ROLLO DE RESENDE

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6. AOS POETAS DE GAVETA
... A poesia nunca deveria ser usada simplesmente para que você fosse conhecido e adquirisse fama. A mim a grande lição que a poesia trouxe - coisas mínimas. A questão da humildade. É maravilhoso quando você escreve. Você não sabe a quem agradecer quando a poesia se aproxima de você...
POESIAS - ROLLO DE RESENDE
Pela madrugada
o vento levantando
papéis carbono
Pela madrugada
alguém enfiando
uma argola em seu mamilo.
Eu penso no poema de um lírico
que morreu num hospital
anônimo como indigente:
Ir no seu barco
para o fundo
ou para a leveza
De madrugada tomamos o expresso
e vimos uns outros tantos
entornando vômito.
Choveu.
O ar está úmido e fresco
e ainda assim engolimos a seco.
Ilustres anônimos
a madrugada é nossa.
Podemos ir cantando alto.
***
Da sua viagem
ao Himalaia traga-me
um floco de neve.
***
rosa
não usa
ziper
rosa
usa
botão
***
quando éramos crianças
usávamos azul-marinho
na escola
eu ainda não conhecia
o mar.
***
peixes de aquário
não sabem
do mar
***
peixes de aquário
podem vir a saber
do mar
através de sustos, cismas,
miasmas
ou ainda símbolos
primitivíssimos que ascendem
no tempo
registrado em suas
pequeninas células
ictioplasmáticas.
***
Stella me quer andarilho.
diz que
com lenço de batik na cabeça
............pareço um andarilho.
um que ela conheceu
................no trem para corumbá
e que come goiabas com ela
na plataforma,
..............segundo uma fotografia.
.................................claro,
..........................um andarilho.
por mais que permaneça aqui,
estarei sempre
..............só de passagem
enquanto
a luz do sol ah! tingir-me
**
companheira de viagem
fomos à ilha, a minas
ao pantanal
mas precisávamos terminar
o roteiro
ao redor de nós mesmos
companheira de viagem
vem ser
companheira de vigílias.
***
por enquanto não sou o homem das lonjuras.
então, rendo graças a esses objetos
que agora me deixam:
a colher de pau quebrada ao meio;
a panela de barro rachada, vazando sobre
o fogo;
a mochila que devolvo ao tião, esgarçada.
tudo isto
transforma-se
no livro
que não é.
me livro.
*****************
um segredo meu
é um segredo do mundo
enumerando coisas independentes?
:a componente sádica dos dentistas
:pivetes mostrando seus pintinhos
quando passamos de carro na avenida
:ser a versão longínqua de meu pai
segundo jane
:o acorde apocalíptico das cigarras
no fim da tarde
qualquer revelação mínima
é uma revelação do mundo
***
estou nas últimas reservas
.........................das sementes.
caminhando ao largo desta rota:
"...meu amor, pasqualone, ri..."
eu adquiri uma alma
....................violácea neste cansaço
logo à frente,
..............dou meia volta vamos ver
...............................e refaço os gestos
de algumas cenas perdidas.
o que quer que se repercuta?
eu já estou
na palha das sementes
ROLLO DE RESENDE
(1.965-1995)
Thursday, December 20, 2007
NOITES BRANCAS
1.
Luar - manto prata
Líquida névoa
no roseiral
Noites brancas
A rede branca
O branco leite
A branca gargalhada
de meu pai
Branca vida
Envolvida
em laço de cores:
- O arco-íris que desmaiava
na encruzilhada -
2.
“Vaga-lume,
tem-tem.
Teu pai tá aqui.
Tua mãe também.”
Senha-canção
que trazia
a luz faiscante
entre as árvores
perfumadas.
Chuva de flores
na calçada.
Mãos pequeninas
a colher
entre arbustos
lanternas de luzes,
pirilampos
na noite aveludada.
Guardar na redoma
das lembranças belas:
A noite dos vaga-lumes
e das fadas.
3.
Fio d’água na calha.
Pequena fonte que faz girar
a roda dos sonhos.
Água que move a engrenagem,
opera o milagre de dezembro:
- Presépio na minha aldeia -
Nunca soube o que Maria e o Menino
tinham a ver com o monjolo triste...
Mas, evocava a vida.
E esta cena, em mim persiste.
BÁRBARA LIA
Wednesday, December 19, 2007
ÁGUA VIVA
Como traduzir o silêncio
do encontro real entre nós dois?
Dificílimo contar:
olhei para você fixamente por uns instantes.
Tais momentos são o meu segredo.
(Clarice Lispector)
Tuesday, December 18, 2007
RÛMI
"Vem, te direi em segredo
aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
E os grãos da areia do deserto
Giram desnorteados.
Cada átomo
Feliz ou miserável
Gira apaixonado
Em torno do Sol
Ninguém fala para si mesmo em voz alta
Já que todos somos um
Falemos de outro modo
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo passo a passo
Vem, se te interessas, posso mostrar-te
Na verdade, somos uma só alma, tu e eu,
Nos mostramos e nos escondemos tu em mim, eu em ti,
Eis aqui o sentido profundo da minha relação contigo
Porque não existe, entre tu e eu, nem eu, nem tu..."
Jalal ud-Din Rumi (1207-1273),
Rumi, o místico do amor
Leonardo Boff *
Adital -
Neste ano se celebram 800 anos de nascimento de Jalal ud-Din Rumi (1207-1273), o maior dos místicos islâmicos e extraordinário poeta do amor. Nasceu no Afeganistão, passou pelo Irã e viveu e morreu em Konia na Turquia.
Sunday, December 16, 2007
OS MENINOS E EU

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ilustração - Ane Fiuza
Os meninos empinavam pipas;
eu, pássaros.
Os meninos folheavam revistas
de garotas nuas;
eu, assistia ao namoro dos sapos.
Os meninos iam ao cine;
eu, atravessava a pé
o igarapé.
Os meninos desenhavam piratas
tesouros, navios;
eu, a escafandrista solitária.
Agora
solidão nos devora
em negros prédios
meio à elite ignara
Os meninos vestem
negro/desencanto
seguem com cifras
nas pupilas vítreas
Tão tristes os meninos,
reclusos, bebendo
o índice Dow Jones
junto com café.
Trocando de amantes
a cada inverno.
A alma pesada os faz andar
em cadência de elefante.
Eu,
desenho gravuras
em tons rosa chá
teço minhas roupas
danço minhas músicas
escrevo meus poemas.
Não atravesso
o vidro frio do templo
moderno
- shopping center –
Não atravesso
a porta de cedro
do antigo templo
(enquanto o Vaticano
não doar aos pobres
todo o ouro seu)
Vivo nas esferas
desço ao chão
para pisar águas
dos igarapés.
Adormeço
no berço-arraia
que me embalazul
no “mar/
belo mar selvagem...”
BÁRBARA LIA
- OS MENINOS E EU - recebeu Menção honrosa no Concurso Nacional Helena Kolody - 2.007 - Secretaria da Cultura do Estado do Paraná.
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Foi lançado o - Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura - para quem não mora em Minas Gerais tem a chance de concorrer nas categorias Ficção e Poesia. Para quem é mineiro tem outra categoria - jovem escritor.
http://www.cultura.mg.gov.br/?task=interna&sec=1&cat=39&con=1206
Saturday, December 15, 2007
PIAF PIAF PIAF PIAF PIAF PIAF PIAF PIAF
Edith Piaf diante do mar a tricotar. Uma menina cantando o hino de sua pátria. Uma mulher amando como só as mulheres livres sabem amar. Uma menina insubmissa e um poeta que a obriga a encontrar a postura no palco. Uma mulher que adoece quando morre o amado... Antes, La vie en rose - dois amantes perdidos em New York encontrando-se na luz difusa rosa que traz o amor.
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O filme de 2.007.
A canção que se canta agora com o coração, não mais com os lábios apenas, inteira, sem as certezas de placebo. Não me arrependo de nada.
MARION COTILLARD / La môme Piaf
cenas do filme - Grande chance de Oscar para a atriz que interpretou Edith
Friday, December 14, 2007
Cassia Eller - Je ne regrette rien
Não, de jeito nenhum
Não, eu não me arrependo de nada
Nem o bem que me fizeram, nem o mal
Tudo me parece igual
Não, de jeito nenhum
Não, eu não me arrependo de nada
Está pago, varrido, esquecido
Eu estou farta do passado
Com minhas lembranças,
eu alimentei o fogo
Eu não preciso mais delas
Varri meus amores
Junto a seus aborrecimentos
Varri para sempre
Eu volto ao zero
Não, de jeito nenhum
Não, eu não me arrependo de nada
Nem o bem que me fizeram, nem o mal
Tudo me parece igual
Não, de jeito nenhum
Não, eu não me arrependo de nada Minha vida
Minhas alegrias
Hoje
Começam com você
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(M. Vacaurie)
Wednesday, December 12, 2007
OS MELHORES - APCA - 2007
Categoria Literatura
Ficção: O Filho Eterno/Cristóvão Tezza
Não-Ficção: O Príncipe Maldito/Mary del Priore
Contos: A Copista de Kafka/Wilson Bueno
Memórias: Conspiração de Nuvens/Lygia Fagundes Telles
Reportagem: O Chão de Graciliano/Audálio Dantas e Tiago Santana
Poesia: Belvedere/Chacal
Votaram: Dirce Lorimier Fernandes, Marcelo Pen, Ricardo Nicola, Ubiratan Brasil e Luiz Costa Pereira Jr.
Parabéns aos escritores Wilson Bueno e Cristóvão Tezza. Paraná premiado na figura destes escritores que já nos premiaram com obras tão marcantes com oTrappo(Tezza) e Mar Paraguayo(Bueno).
- MEU BLOG ENLOUQUECEU - ESTA NOTÍCIA LI HOJE - 16/12 - (Não é do dia 12 esta postagem)
GÉNEROS EM VOLTA
IN COLD BLOOD

.*.
DI CAVALCANTI
Wednesday, December 05, 2007
A ARTE DE SEMEAR ESTRELAS
SANGRANDO

BÁRBARA

Cristal de fogo este sol de abril.
Felicidade ardida em oposição
à esta mágoa fendida.
Cerro negras cortinas,
na penumbra
rasgo fotos do passado.
Em rotação errada
nas paredes da memória
a mesma antiga declaração
dos homens sem imaginação...
"Bárbara, Bárbara.
Nunca é tarde
Nunca é demais”
Há que alguém me amar
sem desafinar letra e canção?
Como um barco sobre o Tejo,
como rosas se abrindo no chão.
Asas de colibri,
fogos de São João.
Uma canção
que não seja tarde,
nem demais.
Que seja abril
nada mais.
Bárbara Lia
A última chuva - ME. ed. alternativas (MG) - 2.007 -
Para ter - A última chuva - R$15,00
e-mails para barbaralia@gmail.com
Monday, December 03, 2007
ES LARGA LA TARDE

Es larga la tarde
GIOCONDA BELLI
Saturday, December 01, 2007
MONJOLO DA INFÂNCIA

http://www.conexaomaringa.com/novo/index.php
A Comissão Julgadora do Concurso Nacional de Poesia - Helena Kolody, formada pelos poetas Affonso Romano de Sant’Anna, Geraldo Mattos e José Castello escolheram os três primeiros colocados da edição 2.007 - Primeiro Lugar - Douglas Kim (SP) Poesia: A língua. Segundo lugar: Paulo Silva Sampaio (SP) Poesia - Traição à estante e Terceiro lugar Luis Pimentel (RJ) Poesia: Partilha.
La nave va...
'O Corpo' - Poesia - Bárbara Lia
Pré-venda do livro "O Corpo" “O Corpo” traz uma seleção que abrange duas décadas de poesia er*tic@, além de fragmentos de uma n...

-
Amedeo Modigliani Paris e um amor Ode de absinto E dança A voz de Piaf acorda As pedras de um beco: “C'est lui pour moi Moi pour lui...
-
Serviço: Lançamento da 2a. Temporada da websérie Pássaros Ruins Data: 11/09/2016 - Domingo Local: Cinemateca de Curiti...
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Javier Beltrán (Federico García Lorca) e Robert Pattinson (Salvador Dalí) em uma cena do filme - Poucas Cinzas - que revi e voltei a sentir...
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Louis Garrel _ Cena de "La Belle Personne" de Christophe Honoré "o poeta escreve sobre oceanos que não conhece...
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É incrível que elas tenham nascido na mesma data, Clarice em 10 de dezembro de 1920 em Chechelnyk, Ucrânia e Emily Dickinso...
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INSÔNIA Este é o século da nossa insônia Mentes plugadas em telas isonômicas Longe dos mitos e da cosmogonia Dopados de “soma” e ...
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F rida inventou um novo verbo para dizer “eu te amo”: Yo te cielo. Rimbaud queria reinventar o amor: L'amour est à réinventer. quiç...
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(Leitura poética de “Trato de Levante”) Livre. O poeta é livre. Canta Neruda com amor revolucionário. Depois que tanto...